sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Viaje pelas EQMs

O objetivo deste blog é gerar reflexões sobre as polêmicas relações entre a mente e o corpo e entre a ciência e a espiritualidade, mostrando os questionamentos e as interpretações propostas a partir de diferentes pontos de vista. Esperamos que você faça uma boa “viagem” ao longo das nossas postagens e forme as suas próprias opiniões, você pode descobrir fontes para se aprofundar ainda mais lendo a página “Indicações de Vídeos e Leituras” – se quiser conhecer mais as autoras acesse a página “Quem Somos” e entre em contato conosco.

 

Beatriz Abath, Cybelle Meirelis, Jacqueline Cagliari, Mitlene Kaline, Raíza Cardoso e Shildren Alves (estudantes de psicologia da UFPE e produtoras deste blog no período de novembro de 2013 até fevereiro de 2014)

 

Viaje pelas EQMs – Conclusão


rharomasy.blogspot.com
     Experiências de quase-morte já eram descritas esporadicamente e de formas diferentes desde a época de Platão (ver o mito de Er na postagem “de Platão até Jung”). Mas a ciência ocidental só começou a estudá-las como EQMs (tradução de Near Death Experiences) depois que Raymond Moody publicou um livro contando os relatos de várias experiências (ver os marcadores ao lado “a) O que é?” e “b) Como este tema é pesquisado?”). Os relatos que ocorrem no contexto hospitalar de quase-morte e que incluem a sensação de paz/amor e a percepção de uma luz, de seres não-físicos, de outras dimensões e/ou do próprio corpo separado de si são chamados de “EQMs”. No entanto, os elementos citados não aparecem apenas em relatos de quase-morte: as meditações, o uso de psicodélicos e a proximidade da morte em desmaios ou doenças terminais também podem gerar experiências parecidas. Além disso, apesar das semelhanças entre os relatos há uma imensa diversidade (ver as postagens “Diversidade nas EQMs” e “Diversidade no Paraíso”).
Há um particular interesse científico em focar apenas nas experiências que ocorrem no contexto de quase-morte: o grande debate histórico sobre a relação entre a mente (e a consciência) x o cérebro. Seria possível compreender esta relação analisando experiências que teriam ocorrido quando o cérebro estivesse “morto”. Porém, quando há o diagnóstico de morte e o retorno à vida, na verdade existe um processo de “desativação” e “reativação”, havendo picos de atividade antes e depois do “desligamento”. É complicado definir se as EQMs ocorrem em períodos de atividade anormal ou no período em que o cérebro estaria ”desligado”. (ver os marcadores ao lado “c) Morte e Consciência” e “d) Consciência x Cérebro”).
Neste debate, alguns pesquisadores tentam comprovar que a consciência depende do funcionamento cerebral e para isso defendem os seguintes argumentos: a falta de oxigênio no cérebro pode causar alucinações e a percepção de um conjunto de luzes centrais ou “túnel de luz”; o medo da morte pode gerar mecanismos de defesa, como a liberação de noradrenalina pelo lócus cerúleos, afetando a memória e a emoção; medicamentos utilizados e outros neurotransmissores também podem estar associados às alterações; e a estimulação anormal da atividade de áreas cerebrais específicas, como o lobo temporal, pode produzir experiências parecidas. (ver marcador ao lado “e) O Cérebro nas EQMs”).
Mas por outro lado, outros pesquisadores defendem a possibilidade de uma consciência não-local, aproximando-se de concepções espirituais, pois defendem dados que questionam a validade das “hipóteses cerebrais”: os casos de percepção visual em cegos; a descrição confirmada por terceiros de detalhes que ocorreram durante a operação; a complexidade de memórias e pensamentos durante um período em que o cérebro estava debilitado; além de casos específicos que foram monitorados fisiologicamente e que contrariaram as hipóteses. Para refletir sobre esta possibilidade veja as publicações “Os cegos podem ver durante uma EQM?”, “Memórias e EQM”, “Consciência Quântica”.
De qualquer forma, independentemente da localização da consciência, as experiências são tão reais para aqueles que as vivenciam, que provocam mudanças de atitudes diante da vida e ás vezes até algumas paranormalidades – leia mais em “Transformações Transcendentais”, “Diante da Morte” e “Curiosidades”. Além disso, a espiritualidade, como uma busca pela transcendência vivida de formas diferentes em cada religião, sempre estará presente no conteúdo das experiências e é necessário aceitar esta presença para obter uma compreensão mais completa do fenômeno (ver “Consciência, Ciência e Espiritualidade” e o marcador ao lado “f) Religião e EQM”). Sendo criações do cérebro, da mente ou realidades espirituais, as experiências são psicologicamente reais e os interessados neste tema devem levar isso em consideração.
Acreditamos que é possível dialogar entre a ciência e a espiritualidade, pois aqueles que desejam estudar pessoas precisam aceitar o fato de que a dimensão espiritual afeta o seu “objeto de estudo”. Saiba mais sobre a relação entre saúde e espiritualidade nas publicações “Buscando Respostas”, “Espiritualidade nas Psicoterapias” e no marcador ao lado “g) Espiritualidade e Saúde”. Você também pode ler mais “h) Relatos de Experiências” e entender como as ideologias científica e religiosa atravessam os discursos sobre EQMs no ocidente através da “Análise do filme "Linha Mortal"”. 

Análise do filme "Linha Mortal"



             Linha Mortal ou “Flatliners” é um filme americano de 1990, que foi dirigido por Joel Schumacher e contou com a participação de Julia Roberts. O filme conta a história de um estudante de medicina (Nelson) que deseja encontrar respostas sobre o que ocorre depois da morte e, para isso, convence outros estudantes (Rachel, David, Joe e Randy) a realizarem um experimento no qual uma parada cardíaca e uma posterior reanimação seriam induzidas nele mesmo. Além de Nelson, Rachel também tenta encontrar respostas, só que de outra forma: ela entrevista os pacientes que vivenciaram experiências de quase-morte; percebe-se uma diversidade nos relatos. Ao decorrer do filme, todos, exceto Randy, se submeterão ao experimento e vão reviver traumas do passado através da experiência.
            A justificativa apresentada por Nelson para a realização do experimento revela a ideologia científica predominante do ocidente: “a filosofia falhou, a religião falhou – agora é a vez da ciência física”. Esta ideologia coloca a ciência experimental no papel da “reveladora de verdades”, é ela quem deve fornecer as respostas para a sociedade moderna e contemporânea. Toda a experiência é controlada cientificamente – como será induzida a parada cardíaca, como o cérebro será monitorado antes e depois da “morte cerebral”, quanto tempo deve-se esperar até iniciar a reanimação e como iniciar a reanimação. Este controle também reforça a ideologia científica do ocidente, a qual defende que só é possível alcançar verdades através do controle e da neutralidade em experimentos isolados nos laboratórios. É tanto que Nelson chama o local aonde ocorrem as experiências de “meu laboratório”.
Uma outra manifestação desta ideologia científica ocorre nas diversas vezes em que os estudantes recorrem ao cérebro para obter explicações e só tendo certeza de que o cérebro estava morto podiam aceitar interpretações não-médicas; o tempo em que o cérebro permaneceu inativo configura-se como um critério para validar estas outras explicações - a última experiência de Nelson, por exemplo, chegou a durar 12 minutos. Atualmente, predomina na ciência a idéia de que o cérebro contém as respostas para diversas questões humanas, sejam elas biológicas, sociais ou subjetivas. É tanto que quando os amigos começam a reviver imagens traumáticas após a experiência, eles pensam que estão sofrendo alguma alucinação. “Alucinação” é como muitos cientistas chamam as EQMs relatadas pelos pacientes, explicando-as pelo funcionamento cerebral no processo do morrer até a reanimação. No entanto, a experiência é sempre “real” para quem a vive, como ilustram os personagens do filme, que se sentem profundamente transformados.
            O conflito entre ciência e religião também aparece: os estudantes pensam em “Deus” nos momentos mais difíceis do filme. Quando Joe, Rachel, Nelson e David estão sofrendo diante da manifestação de seus traumas do passado, Randy diz “estamos pagando pela nossa arrogância” – a arrogância, neste caso, seria a pretensão científica de obter respostas que entram no domínio religioso; o que se confirma no final do filme, quando os estudantes não estão conseguindo trazer Nelson de volta e David suplica “desculpe Deus, nós penetramos o seu território”.   A ideologia religiosa que se manifesta no filme é predominantemente cristã, mas percebe-se a presença do conceito hindu “karma”, também incorporada no Espiritismo. Os estudantes acreditam que estão passando por uma “expiação”, tendo a oportunidade de superar seus “karmas” ou erros/conflitos do passado, que foram evocados na EQM. Os amigos precisam aprender sobre o perdão para se libertarem do sofrimento, que eles mesmos geraram em si mesmos ao “penetrar o domínio de Deus”. E neste domínio, a medicina não manda: os personagens só retornam à vida quando vivem o conteúdo principal da experiência, não importa o quanto os colegas estejam se esforçando para trazê-los; no final, ao tentar reanimar Nelson, Rachel confirma isso ao dizer “não apresse, ele já vem”.  
            O filme “Linha Mortal” ilustra muito bem as ideologias que atravessam os discursos sobre as experiências de quase-morte. Curiosamente o filme termina com a imagem de “Deus” apontando o dedo para nós, que assistimos ao filme – transmitindo a noção do poder dele sobre nós diante das nossas escolhas, e do nosso livre-arbítrio perante elas, trazendo boas ou más consequências.

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