sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Viaje pelas EQMs

O objetivo deste blog é gerar reflexões sobre as polêmicas relações entre a mente e o corpo e entre a ciência e a espiritualidade, mostrando os questionamentos e as interpretações propostas a partir de diferentes pontos de vista. Esperamos que você faça uma boa “viagem” ao longo das nossas postagens e forme as suas próprias opiniões, você pode descobrir fontes para se aprofundar ainda mais lendo a página “Indicações de Vídeos e Leituras” – se quiser conhecer mais as autoras acesse a página “Quem Somos” e entre em contato conosco.

 

Beatriz Abath, Cybelle Meirelis, Jacqueline Cagliari, Mitlene Kaline, Raíza Cardoso e Shildren Alves (estudantes de psicologia da UFPE e produtoras deste blog no período de novembro de 2013 até fevereiro de 2014)

 

Viaje pelas EQMs – Conclusão


rharomasy.blogspot.com
     Experiências de quase-morte já eram descritas esporadicamente e de formas diferentes desde a época de Platão (ver o mito de Er na postagem “de Platão até Jung”). Mas a ciência ocidental só começou a estudá-las como EQMs (tradução de Near Death Experiences) depois que Raymond Moody publicou um livro contando os relatos de várias experiências (ver os marcadores ao lado “a) O que é?” e “b) Como este tema é pesquisado?”). Os relatos que ocorrem no contexto hospitalar de quase-morte e que incluem a sensação de paz/amor e a percepção de uma luz, de seres não-físicos, de outras dimensões e/ou do próprio corpo separado de si são chamados de “EQMs”. No entanto, os elementos citados não aparecem apenas em relatos de quase-morte: as meditações, o uso de psicodélicos e a proximidade da morte em desmaios ou doenças terminais também podem gerar experiências parecidas. Além disso, apesar das semelhanças entre os relatos há uma imensa diversidade (ver as postagens “Diversidade nas EQMs” e “Diversidade no Paraíso”).
Há um particular interesse científico em focar apenas nas experiências que ocorrem no contexto de quase-morte: o grande debate histórico sobre a relação entre a mente (e a consciência) x o cérebro. Seria possível compreender esta relação analisando experiências que teriam ocorrido quando o cérebro estivesse “morto”. Porém, quando há o diagnóstico de morte e o retorno à vida, na verdade existe um processo de “desativação” e “reativação”, havendo picos de atividade antes e depois do “desligamento”. É complicado definir se as EQMs ocorrem em períodos de atividade anormal ou no período em que o cérebro estaria ”desligado”. (ver os marcadores ao lado “c) Morte e Consciência” e “d) Consciência x Cérebro”).
Neste debate, alguns pesquisadores tentam comprovar que a consciência depende do funcionamento cerebral e para isso defendem os seguintes argumentos: a falta de oxigênio no cérebro pode causar alucinações e a percepção de um conjunto de luzes centrais ou “túnel de luz”; o medo da morte pode gerar mecanismos de defesa, como a liberação de noradrenalina pelo lócus cerúleos, afetando a memória e a emoção; medicamentos utilizados e outros neurotransmissores também podem estar associados às alterações; e a estimulação anormal da atividade de áreas cerebrais específicas, como o lobo temporal, pode produzir experiências parecidas. (ver marcador ao lado “e) O Cérebro nas EQMs”).
Mas por outro lado, outros pesquisadores defendem a possibilidade de uma consciência não-local, aproximando-se de concepções espirituais, pois defendem dados que questionam a validade das “hipóteses cerebrais”: os casos de percepção visual em cegos; a descrição confirmada por terceiros de detalhes que ocorreram durante a operação; a complexidade de memórias e pensamentos durante um período em que o cérebro estava debilitado; além de casos específicos que foram monitorados fisiologicamente e que contrariaram as hipóteses. Para refletir sobre esta possibilidade veja as publicações “Os cegos podem ver durante uma EQM?”, “Memórias e EQM”, “Consciência Quântica”.
De qualquer forma, independentemente da localização da consciência, as experiências são tão reais para aqueles que as vivenciam, que provocam mudanças de atitudes diante da vida e ás vezes até algumas paranormalidades – leia mais em “Transformações Transcendentais”, “Diante da Morte” e “Curiosidades”. Além disso, a espiritualidade, como uma busca pela transcendência vivida de formas diferentes em cada religião, sempre estará presente no conteúdo das experiências e é necessário aceitar esta presença para obter uma compreensão mais completa do fenômeno (ver “Consciência, Ciência e Espiritualidade” e o marcador ao lado “f) Religião e EQM”). Sendo criações do cérebro, da mente ou realidades espirituais, as experiências são psicologicamente reais e os interessados neste tema devem levar isso em consideração.
Acreditamos que é possível dialogar entre a ciência e a espiritualidade, pois aqueles que desejam estudar pessoas precisam aceitar o fato de que a dimensão espiritual afeta o seu “objeto de estudo”. Saiba mais sobre a relação entre saúde e espiritualidade nas publicações “Buscando Respostas”, “Espiritualidade nas Psicoterapias” e no marcador ao lado “g) Espiritualidade e Saúde”. Você também pode ler mais “h) Relatos de Experiências” e entender como as ideologias científica e religiosa atravessam os discursos sobre EQMs no ocidente através da “Análise do filme "Linha Mortal"”. 

Análise do filme "Linha Mortal"



             Linha Mortal ou “Flatliners” é um filme americano de 1990, que foi dirigido por Joel Schumacher e contou com a participação de Julia Roberts. O filme conta a história de um estudante de medicina (Nelson) que deseja encontrar respostas sobre o que ocorre depois da morte e, para isso, convence outros estudantes (Rachel, David, Joe e Randy) a realizarem um experimento no qual uma parada cardíaca e uma posterior reanimação seriam induzidas nele mesmo. Além de Nelson, Rachel também tenta encontrar respostas, só que de outra forma: ela entrevista os pacientes que vivenciaram experiências de quase-morte; percebe-se uma diversidade nos relatos. Ao decorrer do filme, todos, exceto Randy, se submeterão ao experimento e vão reviver traumas do passado através da experiência.
            A justificativa apresentada por Nelson para a realização do experimento revela a ideologia científica predominante do ocidente: “a filosofia falhou, a religião falhou – agora é a vez da ciência física”. Esta ideologia coloca a ciência experimental no papel da “reveladora de verdades”, é ela quem deve fornecer as respostas para a sociedade moderna e contemporânea. Toda a experiência é controlada cientificamente – como será induzida a parada cardíaca, como o cérebro será monitorado antes e depois da “morte cerebral”, quanto tempo deve-se esperar até iniciar a reanimação e como iniciar a reanimação. Este controle também reforça a ideologia científica do ocidente, a qual defende que só é possível alcançar verdades através do controle e da neutralidade em experimentos isolados nos laboratórios. É tanto que Nelson chama o local aonde ocorrem as experiências de “meu laboratório”.
Uma outra manifestação desta ideologia científica ocorre nas diversas vezes em que os estudantes recorrem ao cérebro para obter explicações e só tendo certeza de que o cérebro estava morto podiam aceitar interpretações não-médicas; o tempo em que o cérebro permaneceu inativo configura-se como um critério para validar estas outras explicações - a última experiência de Nelson, por exemplo, chegou a durar 12 minutos. Atualmente, predomina na ciência a idéia de que o cérebro contém as respostas para diversas questões humanas, sejam elas biológicas, sociais ou subjetivas. É tanto que quando os amigos começam a reviver imagens traumáticas após a experiência, eles pensam que estão sofrendo alguma alucinação. “Alucinação” é como muitos cientistas chamam as EQMs relatadas pelos pacientes, explicando-as pelo funcionamento cerebral no processo do morrer até a reanimação. No entanto, a experiência é sempre “real” para quem a vive, como ilustram os personagens do filme, que se sentem profundamente transformados.
            O conflito entre ciência e religião também aparece: os estudantes pensam em “Deus” nos momentos mais difíceis do filme. Quando Joe, Rachel, Nelson e David estão sofrendo diante da manifestação de seus traumas do passado, Randy diz “estamos pagando pela nossa arrogância” – a arrogância, neste caso, seria a pretensão científica de obter respostas que entram no domínio religioso; o que se confirma no final do filme, quando os estudantes não estão conseguindo trazer Nelson de volta e David suplica “desculpe Deus, nós penetramos o seu território”.   A ideologia religiosa que se manifesta no filme é predominantemente cristã, mas percebe-se a presença do conceito hindu “karma”, também incorporada no Espiritismo. Os estudantes acreditam que estão passando por uma “expiação”, tendo a oportunidade de superar seus “karmas” ou erros/conflitos do passado, que foram evocados na EQM. Os amigos precisam aprender sobre o perdão para se libertarem do sofrimento, que eles mesmos geraram em si mesmos ao “penetrar o domínio de Deus”. E neste domínio, a medicina não manda: os personagens só retornam à vida quando vivem o conteúdo principal da experiência, não importa o quanto os colegas estejam se esforçando para trazê-los; no final, ao tentar reanimar Nelson, Rachel confirma isso ao dizer “não apresse, ele já vem”.  
            O filme “Linha Mortal” ilustra muito bem as ideologias que atravessam os discursos sobre as experiências de quase-morte. Curiosamente o filme termina com a imagem de “Deus” apontando o dedo para nós, que assistimos ao filme – transmitindo a noção do poder dele sobre nós diante das nossas escolhas, e do nosso livre-arbítrio perante elas, trazendo boas ou más consequências.

www.iesusdominus.com.br
   

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Espiritualidade nas Psicoterapias

www.hierophant.com.br 
  Em “Transformações Transcendentais” e “Buscando Respostas” afirmamos que a psicologia ainda não é capaz de fornecer explicações para algumas experiências espirituais e defendemos a necessidade de que esta ofereça apoio para aqueles que vivenciam tais experiências. Dentro da psicologia científica, todas as abordagens se preocupam em considerar a forma como os sujeitos vivenciam a sua espiritualidade e reconhecem a importância desta dimensão para a saúde dos indivíduos. No entanto, nem todas lidam diretamente com experiências espirituais ou atribuem destaque a esta questão. Dentro das psicoterapias reconhecidas pela psicologia científica e pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), podemos citar a psicologia analítica de Jung e a Bioenergética como abordagens mais relacionadas com a espiritualidade.
Os seguidores de Jung atribuem grande importância aos símbolos ou “arquétipos” que estruturam a subjetividade das pessoas. Acreditam que é preciso prestar atenção à manifestação destes símbolos, sejam eles positivos ou negativos (“sombra”), para que se evolua em busca de mais realização e bem-estar. Segundo Carlos Amadeu Botelho Byington a “Espiritualidade, na psicologia junguiana é, então, a busca de um relacionamento das vivências com o Arquétipo Central, chamado de Deus nas religiões” (http://www.libertas.com.br/site/index.php?central=conteudo&id=2689). Na teoria junguiana, a espiritualidade é um dos cinco aspectos que devem ser elaborados pela psique durante o processo de individuação (http://sbpa-rj.org.br/site/?page_id=795). Na Bioenergética o tema aparece associado ao corpo: Alexander Lowen, fundador desta abordagem, escreveu um livro chamado “A Espiritualidade do Corpo. Bioenergética para a Beleza e a Harmonia”. Segundo Cristian G. Valeski de Alencar, esta abordagem considera o corpo como uma manifestação do espírito e, por isso, valoriza e trabalha com a dimensão energética dos corpos, acessando-a através de práticas com a respiração, entre outras (http://www.libertas.com.br/site/index.php?central=conteudo&id=3459).
Embora assumam questões espirituais, a Bioenergética e a teoria Junguiana são reconhecidas pelo CFP. O mesmo não ocorre com as "psicologias alternativas", como é o caso da “Transpessoal” ou da “Terapia de Regressão à vidas passadas”, por exemplo. Como informam Gauer, L. de Souza, Molin e Gomes (1997), estas psicologias adotam concepções que se distanciam da ciência e se aproximam da dimensão espiritual, incluindo uma forte influência de tradições orientais. Como a psicologia é um campo diversificado e em constante movimento, é possível que um dia algumas psicologias alternativas alcancem o reconhecimento científico. De qualquer forma, estas “psicoterapias” possuem o reconhecimento de pessoas que se identificaram com estes modelos e obtiveram bem-estar através deles.   
A psicologia Transpessoal, inclui em sua teoria conhecimentos da física quântica e de tradições orientais como o budismo, o hinduísmo e o taoísmo. Para esta abordagem a meta é desenvolver o indivíduo em todas as suas dimensões (física, emocional, mental e espiritual), buscando a expansão da consciência (http://www.humanitatis.com/formacao_transpessoal.asp). Segundo Vera Saldanha foi Maslow quem fundou a psicologia Transpessoal, motivado pela sua constatação da necessidade de considerar a dimensão espiritual dos seres humanos (http://www.alubrat.org.br/img/File/O%20que%20%C3%A9%20Psicologia%20Transpessoal%20por%20Vera%20Saldanha.pdf). Quanto às terapias de regressão, apesar do reconhecimento científico da hipnose, nem todas as técnicas utilizadas são reconhecidas e muito menos a existência de memórias de vidas passadas. Porém, o mais importante do ponto de vista terapêutico não é saber se existem memórias de outra vida ou se o conteúdo evocado pelas técnicas são apenas construções simbólicas do inconsciente, o que importa é saber se a "regressão" foi capaz de ajudar o indivíduo a ressignificar a sua história – veja os vídeos a seguir:  


+ Terapia de Regressão - Passado cura o presente: 
http://www.youtube.com/watch?v=jzfBM77rQKs.

Há ainda uma controversa área de pesquisas, conhecida como “Parapsicologia”, que busca reconhecimento acadêmico e defende o uso da metodologia científica para verificar a existência e a possibilidade de explicação dos fenômenos tidos como paranormais. Esta área existe há pouco mais de um século e ainda não há muitos consensos entre os próprios parapsicólogos ou reconhecimento por parte de outros pesquisadores. No entanto, a Parapsicologia continua investigando a paranormalidade e já obteve alguns resultados, incluindo indicações da existência da telepatia. É possível conhecer mais sobre esta área a partir de uma entrevista com o psicólogo Wellington Zangari, em um texto produzido por Carlos Chernij no site da “Superinteressante” (http://super.abril.com.br/cotidiano/parapsicologo-duvidar-crer-445644.shtml).

Esperamos ter contribuído de alguma forma para aqueles que gostariam de encontrar um apoio na psicologia, tendo um espaço maior para expor suas questões ou experiências transcendentais, sejam elas de quase-morte ou não. Lembrando que a espiritualidade aqui não é o mesmo que religiosidade, como já foi dito em “Consciência, Ciência e Espiritualidade”; espiritualidade é uma busca por um sentido maior, vivida de formas diferentes em diferentes religiões – e estas diferenças devem ser respeitadas em qualquer psicoterapia seja ela “científica” ou “alternativa”. 

Referências Bibliográficas
Gauer, G.; L. de Souza, M.; Molin, F. D; Gomes, W. B. Terapias alternativas: uma questão contemporânea em psicologia. Psicol. cienc. prof. v.17 n.2 Brasília  1997. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1414-98931997000200004&script=sci_arttext> Acesso em fev/2014.

Os cegos podem ver durante uma EQM?

          Alguns estudiosos têm observado relatos de pessoas cegas que afirmam ter vivenciado uma percepção visual durante suas experiências de quase-morte. Esta observação é um dos argumentos utilizados para sugerir ou apoiar a concepção de que a mente não está localizada no cérebro, havendo a possibilidade de existir uma consciência não-local capaz de obter informações inalcançáveis para os sentidos (Fenwick, 2013). Ring e Cooper (1997) realizaram uma pesquisa em que 80% dos cegos relataram experiências visuais durante EQMs. Os autores informam que muitos dos casos citados na literatura não são confiáveis, pois não foram adequadamente documentados para análise científica. No entanto, há sim casos intrigantes, como o famoso caso de Vicki (ver vídeo) que instigam os pesquisadores a buscar respostas.



          Uma das dificuldades encontradas nesta investigação é a linguagem. Pessoas cegas de nascença não são capazes de explicar o que é “ver”, pois não possuem representação visual, e ás vezes só conseguem afirmar que perceberam algo de uma forma jamais alcançada antes em sua vida. Além disso, cegos se comunicam usando termos do vocabulário visual da sociedade, ainda que o significado destes termos não possa ser o mesmo para cegos e não-cegos. Também se afirma que as pessoas podem estar apenas reproduzindo o discurso esperado para os casos de experiências de quase-morte, relatando os elementos que costumam aparecer; sabe-se que é possível recriar as memórias ao relatá-las (ver publicação sobre “Memórias e EQM”).

Ring e Cooper (1997) perceberam que apesar do uso de termos visuais, as experiências relatadas se aproximavam mais da descrição de uma percepção sinestésica e multifacetada. Os cegos são capazes de utilizar muito bem outros sentidos para construir “mapas espaciais” e reconhecer coisas e pessoas ao seu redor, compensando a ausência da visão; por isso, informações táteis, sonoras e térmicas podem aparecer juntas e até misturadas nos seus relatos.  Ainda assim, existem indicações de que, de fato, o sentido visual pode se manifestar em EQMs independentemente da condição física na qual este sentido se encontra durante a experiência.

Frank, vivenciou percepções visuais na infância, mas perdeu completamente a sua visão posteriormente. Ele relatou uma experiência de quase-morte na qual foi capaz de ver o seu próprio corpo e reconhecer a cor e o design da gravata que estava usando no momento, sendo que ninguém havia o informado sobre o aspecto visual desta gravata. Neste caso especificamente, existe uma evidência de que houve uma real percepção visual quando o sentido da visão não mais existia. Porém, Frank só foi capaz de fornecer este relato visual por já ter vivenciado a visão em algum momento da sua vida, o que não seria possível no caso dos cegos de nascença, que não podem informar sobre cores ou formas jamais percebidas anteriormente por eles.

Partindo da concepção de uma consciência não-local ou de uma concepção espiritual do ser humano, as percepções vividas durante as experiências de quase-morte transcendem os sentidos físicos. No entanto, partindo de uma concepção materialista, na qual a consciência e os sentidos dependem do cérebro e da condição física, seriam necessários mais estudos para compreender estes casos. E nestes estudos, a pergunta formulada é crucial, é necessário entender “como e quando os cegos enxergam durante uma EQM?”, “O que eles chamam de visão?”, “o que pode indicar se esta percepção é de fato visual?”. As perguntas orientam a forma de explicar um fenômeno e movem as pessoas em busca de novas formas de “ver” o mundo.


Referências Bibliográficas
Fenwick, 2013. As experiências de quase morte (EQM) podem contribuir para o debate sobre a consciência?. Rev Psiq Clín. 40(5):203-207. 

Ring, K.; Cooper, S. (1997). Near-Deatj and Out-of-Body Experiences in the Blind: A study of Apparent Eyeless Vision. Journal of Near-Death Studies, 16(2). Disponível em: <http://kernz.org/nd/nde-papers/Ring/Ring-Journal%20of%20Near-Death%20Studies_1997-16-101-147-1.pdf>. Acesso em fev/2013.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Memórias e EQM

super.abril.com.br


Os estudos sobre EQM estão baseados, principalmente, nos relatos das pessoas que vivenciaram tal experiência. Ao produzir os relatos, as pessoas evocam as memórias do que teria ocorrido, no entanto, tal evocação não condiz totalmente com o que de fato ocorreu. As memórias existem no nosso cérebro como sinais elétricos e bioquímicos, que são codificados e traduzidos por nossos neurônios. Em cada codificação e tradução existem perdas e, por isso, as memórias não são retratos literais dos eventos de nosso passado. Além disso, a nossa forma de interpretar nossas memórias depende do contexto sociocultural no qual estamos inseridos e do nosso olhar no presente, que varia de acordo com as nossas emoções e momentos de vida. Portanto, ao relatar um fato ocorrido, evocando nossas lembranças, estamos também recriando o que aconteceu: “O individuo ao elaborar uma narrativa autobiográfica, pode subestimar ou superestimar aspectos que considera mais – ou menos – legítimos na sua trajetória, pertinentes ao contexto em que a narrativa é produzida” (Oliveira, Rego e Aquino, 2006, p. 128). Dessa forma, os relatos de EQMs não podem ser considerados uma reprodução fiel das experiências vividas. Mas esta não é a única discussão presente quando estudamos as memórias associadas às experiências de quase-morte; é preciso refletir também sobre como estas memórias são formadas diante da possibilidade de um período de inatividade cerebral.
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Uma das grandes polêmicas presentes no tema das EQMs se refere ao estado de ativação cerebral: o cérebro estaria ativo ou inativo durante a experiência memorizada? Muitos relatos remetem à períodos em que o cérebro da pessoa estaria inconsciente, fora do estado de ativação considerado normal. E os cientistas se perguntam se é possível formar memórias em períodos de inconsciência. Greyson (2007, como citado em Alves, 2013), por exemplo, afirma que algumas pesquisas comprovam que em paradas cardíacas ou sobre anestesia geral ainda pode existir percepção sensorial, pensamento e memórias, embora tal constatação seja incompatível com os modelos fisiológicos atuais. Lopes (n.d) informa na revista Veja que no processo de desligamento do cérebro as funções superiores (memória e cognição) são as primeiras a serem inativadas, enquanto as funções vitais (respiração e pressão arterial) são as últimas a serem afetadas. Mas, antes ou depois deste processo podem ocorrer picos de intensa atividade cerebral, envolvendo um funcionamento atípico dos neurônios; alguns autores, como o neurologista Paulo Bertolucci, acreditam que as EQMs ocorrem nestes picos e não durante os períodos de inatividade.
Esta questão permanece em debate para os pesquisadores que partem do paradigma da consciência localizada no cérebro. Porém, aqueles que defendem o paradigma da consciência não-local, não consideram isso um problema. Para eles, a consciência não depende do estado de ativação cerebral e, por isso, as memórias ou outras funções superiores podem existir em períodos de inativação (ver “Consciência Quântica”). Partindo de um ponto de vista religioso, isto também não seria um problema, pois a consciência estaria em uma alma ou em um espírito e pode haver inclusive memórias de outras vidas, como defendem os espíritas.
Como curiosidade, vale a pena mencionar que existem discussões científicas sobre as memórias do parto. Uma das teorias já propostas para explicar alguns aspectos das experiências de quase-morte, como a sensação de amor e a percepção de um túnel de luz, se refere às memórias do momento do nascimento. O individuo recorda a passagem pelo canal vaginal e o acolhimento da mãe.  Entretanto, esta teoria não se adequa aos casos de parto cesariano e não encontra apoio no argumento científico de que os recém-nascidos não possuem maturidade orgânica suficiente para registrar a memória deste momento. No entanto, é importante informar que existem algumas indicações incomuns de casos em que crianças pequenas relatam sobre o que aconteceu em seu nascimento (Ring e Cooper, 1997).
http://obraincompleta.wordpress.com/
 Apesar das várias discussões apresentadas sobre a confiabilidade e a possibilidade de evocar ou formar memórias em experiências de quase-morte, os relatos produzidos pelas pessoas são psicologicamente reais para elas. Sendo realidades recriadas ou não, são realidades para aqueles que as relatam. Afinal, nos definimos enquanto sujeitos a partir de nosso discurso acerca de nossas lembranças: nossas memórias e esquecimentos “não só nos dizem quem somos, mas também nos permitem projetar rumo ao futuro, isto é, nos dizem quem poderemos ser” (Izquierdo, 2002, p.09). Independentemente do estado cerebral no momento da formação das memórias relatadas ou da confiabilidade das mesmas, é através dos relatos elaborados que as pessoas interpretam a experiência vivida e orientam a sua maneira de encará-la daqui pra frente, definindo as suas possibilidades de ser e vir-a-ser.

Referências Bibliográficas

Alves, E. (2013). Experiências de Quase Morte: um estudo dos aspectos psicológicos.Psicologado. Disponível em: <http://artigos.psicologado.com/atuacao/tanatologia/experiencia-de-quase-morte-um-estudo-dos-aspectos-psicologicos>. Acesso em nov. 2013. 

Izquierdo, I. (2002). O que é memória?.  In: Izquierdo, Iván. Memória. Porto Algre: Artmed.

Oliveira, M.K; Rego, T.C; Aquino, J.G. (2006). Desenvolvimento Psicológico e Constituição de Subjetividades: Ciclos de Vida, Narrativas Autobiográficas e Tensões da Contemporaneidade. Pro-Posições, v.17, n.2 (50). 

Ring, K.; Cooper, S. (1997). Near-Deatj and Out-of-Body Experiences in the Blind: A study of Apparent Eyeless Vision. Journal of Near-Death Studies, 16(2). Disponível em: <http://kernz.org/nd/nde-papers/Ring/Ring-Journal%20of%20Near-Death%20Studies_1997-16-101-147-1.pdf>. Acesso em fev/2013.

Links
Lopes, A. D. Coma: O dia em que Morri. Veja/2010