Alguns
estudiosos têm observado relatos de pessoas cegas que afirmam ter vivenciado
uma percepção visual durante suas experiências de quase-morte. Esta observação
é um dos argumentos utilizados para sugerir ou apoiar a concepção de que a
mente não está localizada no cérebro, havendo a possibilidade de existir uma
consciência não-local capaz de obter informações inalcançáveis para os sentidos
(Fenwick, 2013). Ring e Cooper (1997) realizaram uma pesquisa em que 80% dos
cegos relataram experiências visuais durante EQMs. Os autores informam que
muitos dos casos citados na literatura não são confiáveis, pois não foram
adequadamente documentados para análise científica. No entanto, há sim casos
intrigantes, como o famoso caso de Vicki (ver vídeo) que instigam os pesquisadores
a buscar respostas.
Uma das dificuldades encontradas nesta investigação é a linguagem. Pessoas cegas de nascença não são capazes de explicar o que é “ver”, pois não possuem representação visual, e ás vezes só conseguem afirmar que perceberam algo de uma forma jamais alcançada antes em sua vida. Além disso, cegos se comunicam usando termos do vocabulário visual da sociedade, ainda que o significado destes termos não possa ser o mesmo para cegos e não-cegos. Também se afirma que as pessoas podem estar apenas reproduzindo o discurso esperado para os casos de experiências de quase-morte, relatando os elementos que costumam aparecer; sabe-se que é possível recriar as memórias ao relatá-las (ver publicação sobre “Memórias e EQM”).
Ring e
Cooper (1997) perceberam que apesar do uso de termos visuais, as experiências
relatadas se aproximavam mais da descrição de uma percepção sinestésica e
multifacetada. Os cegos são capazes de utilizar muito bem outros sentidos para
construir “mapas espaciais” e reconhecer coisas e pessoas ao seu redor,
compensando a ausência da visão; por isso, informações táteis, sonoras e
térmicas podem aparecer juntas e até misturadas nos seus relatos. Ainda
assim, existem indicações de que, de fato, o sentido visual pode se manifestar
em EQMs independentemente da condição física na qual este sentido se encontra
durante a experiência.
Frank,
vivenciou percepções visuais na infância, mas perdeu completamente a sua visão
posteriormente. Ele relatou uma experiência de quase-morte na qual foi capaz de
ver o seu próprio corpo e reconhecer a cor e o design da gravata que estava
usando no momento, sendo que ninguém havia o informado sobre o aspecto visual
desta gravata. Neste caso especificamente, existe uma evidência de que houve
uma real percepção visual quando o sentido da visão não mais existia. Porém,
Frank só foi capaz de fornecer este relato visual por já ter vivenciado a visão
em algum momento da sua vida, o que não seria possível no caso dos cegos de
nascença, que não podem informar sobre cores ou formas jamais percebidas
anteriormente por eles.
Partindo da concepção de uma consciência não-local ou de uma concepção espiritual do ser humano, as percepções vividas durante as experiências de quase-morte transcendem os sentidos físicos. No entanto, partindo de uma concepção materialista, na qual a consciência e os sentidos dependem do cérebro e da condição física, seriam necessários mais estudos para compreender estes casos. E nestes estudos, a pergunta formulada é crucial, é necessário entender “como e quando os cegos enxergam durante uma EQM?”, “O que eles chamam de visão?”, “o que pode indicar se esta percepção é de fato visual?”. As perguntas orientam a forma de explicar um fenômeno e movem as pessoas em busca de novas formas de “ver” o mundo.
Referências Bibliográficas
Fenwick, 2013. As experiências de quase morte (EQM) podem contribuir para o debate sobre a consciência?. Rev Psiq Clín. 40(5):203-207.
Ring, K.; Cooper, S. (1997). Near-Deatj and Out-of-Body Experiences in the Blind: A study of Apparent Eyeless Vision. Journal of Near-Death Studies, 16(2). Disponível em: <http://kernz.org/nd/nde-papers/Ring/Ring-Journal%20of%20Near-Death%20Studies_1997-16-101-147-1.pdf>. Acesso em fev/2013.
Seria "as pessoas cegas não possuem imaginação visual" ou "as pessoas cegas não possuem representação visual"?
ResponderExcluir"Pessoas cegas de nascença não são capazes de explicar o que é “ver”, pois não possuem representação visual" - postagem modificada. Agradecemos a colaboração.
ExcluirGostei bastante das reflexões de pesquisa sobre aspectos os linguisticos fundamentais neste caso. Será que falamos de uma mesma semântica, quando tratamos sobre percepção visual para cegos e não cegos? Por vez um significado tão comum pode impedir que notemos o qual delicado é cuidar de um ponto crucial na pesquisa: o que entendemos sobre uma palavra!!!
ResponderExcluirO video é muito impactante. Gera um interesse pela área, por outros depoimentos, pesquisas... muito bom!
ResponderExcluirFicamos felizes por ter gerado este interesse, todas nós fomos contagiadas por ele.
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