terça-feira, 21 de janeiro de 2014

de Platão até Jung

               Experiências místicas, como as de quase-morte sempre existiram ao longo do tempo nas diversas sociedades humanas. Platão, por exemplo, através do mito de Er, conta a história de um homem que após ser declarado morto, retoma a consciência e relata sua visita a um lugar divino: ao chegar no local aonde os juízes pronunciam as sentenças, Er descobriu que fora escolhido para ser o mensageiro e informar aos homens o que existe do outro lado (Platão, 2005, como citado em Roscio, n.d). Além disso, curiosamente, alguns dos fenômenos relatados nas EQMs (percepção de uma luz, acessar outras dimensões ou elevar-se sobre o próprio corpo) também estão presentes em relatos muito antigos sobre experiências de yoga ou meditação dentro da cultura oriental (Singh Ji Maharaj, n.d).
             Porém para a ciência moderna no ocidente, o tema é recente; faz apenas 30 anos que Raymond Moody publicou sobre (Fenwick, 2013). Em 1990, o desejo de desvendar e comunicar o que acontece depois da morte, presente no mito de Platão reaparece em um filme americano, “Linha Mortal”, no qual estudantes de medicina decidem induzir em si mesmos experiências de quase-morte para revelar o que ocorre. Desde que o tema começou a ser investigado na ciência moderna, há uma tendência de estudá-lo a partir de uma perspectiva ocidental, buscando padronizações e estruturações (ver os marcadores "O que é" / "Como este tema é pesquisado?"). No entanto, as EQMs são marcadas por aspectos culturais e as pesquisas precisam considerar e aprofundar o conhecimento acerca do contexto sócio-histórico deste tema. 
       O caso de um famoso psicólogo de base analítica, Carl Jung, revela como elementos culturais diversos podem aparecer em uma experiência de quase-morte e como esta impacta profundamente as pessoas, gerando reflexões sobre as questões existenciais da humanidade e caracterizando-se como um fenômeno complexo:

“Considerando-se em geral, minha doença foi uma experiência muito válida; ela me deu  a  oportunidade  inestimável  de  olhar  por  trás  do véu.  A  única  dificuldade  é  livrar-se  do  corpo,  ficar  nu  e  vazio  do mundo  e  da  vontade  do  eu.  Quando  se  pode  desistir  da  louca vontade de viver e quando se cai aparentemente num nevoeiro sem fundo, então começa a vida verdadeiramente real com tudo o que foi intencionado e nunca alcançado. É algo inefavelmente grandioso. Eu estava  livre,  completamente  livre  e  inteiro,  como  nunca  me  havia sentido  antes.  Eu me  sentia  a  15.000  quilômetros  da  terra  e  a  via como  imenso  globo  brilhando  numa  luz  azul,  indizivelmente  bela.” (Jung: Carta 01.02.1945, como citado em Roscio, n.d)

“Teme-se usar a expressão  “eterno”;  não  posso,  entretanto, descrever  o  que  vivi  senão  como  a    beatitude  de  um  estado intemporal,  no  qual  presente,  passado  e  futuro  são  um  só.  Tudo  o que ocorre no  tempo concentrava-se numa  totalidade objetiva. Nada estava  cindido  no  tempo  e  nem  podia  ser  medido  por  conceitos temporais.  [...] Um  todo  indescritível no qual estamos mergulhados e que, no  entanto,  podemos  perceber  com  plena  objetividade.”  (Jung, 2002:258, como citado em Roscio, n.d)

"À direita da entrada, um hindu negro sentava em silêncio em postura de lótus sobre um banco de pedra. Ele usava um manto branco, e eu sabia que ele esperava por mim. Dois passos me levaram a essa antecâmara, e, no interior, à esquerda, estava o portão do templo. Inúmeros nichos pequenos, cada um com uma concavidade do tamanho de um pires preenchido com óleo de coco e pequenas mechas ardentes, cercavam a porta com uma grinalda de chamas brilhantes. Eu tinha visto isso uma vez, na verdade, quando visitei o Templo do Dente Santo em Kandy, no Ceilão (Sri Lanka). [...] Lá eu finalmente iria entender – e isso também era uma certeza – o sentido (nexo) histórico a que eu ou minha vida estávamos conectados"(disponível em Pereira, 2012)

Consideramos que ainda serão necessárias muitas pesquisas para compreender verdadeiramente este tema, que sempre gerou reflexões na humanidade e até hoje permanece uma interrogação. Você pode conhecer mais sobre as hipóteses e os conhecimentos construídos sobre as EQMs, bem como outros relatos, visitando os nossos marcadores ao lado, lendo nossas postagens e acessando as indicações de vídeos e leituras. 

Referências Bibliográficas

Fenwick, 2013. As experiências de quase morte (EQM) podem contribuir para o debate sobre a consciência?. Rev Psiq Clín. 40(5):203-7. 

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