domingo, 15 de dezembro de 2013

Relato da Capa deste Blog

Disponível em:

http://mdemulher.abril.com.br/bem-estar/reportagem/auto-ajuda/minha-alma-saiu-meu-corpo-voltou-484955.shtml

Publicado em 16/07/2009
Marcela Delphino


Destaque da Matéria
O meu corpo estava sendo operado e minha alma assistia a tudo, do alto
Ilustração: Estúdio 3
"A sensação era diferente de tudo o que eu já havia sentido. Eu flutuava, perto do teto. Percebi, então, que lá embaixo havia pessoas que eu conhecia. Num olhar mais atento, reconheci minha mãe, uma amiga e duas primas. Estranho... Elas choravam muito. Senti o clima tenso, pesado. "Será que alguém da nossa família morreu?", pensei.
Eu não ouvia o que elas falavam. Tudo tão confuso... E nesse momento um anjo apareceu diante de mim. Ele emitia uma luz forte, amarela e laranja. Foi aí que percebi o que acontecia. Como num filminho de segundos, me lembrei de que tinha sofrido um acidente de carro e que o resgate tinha me levado para um hospital. Lembrei também que os médicos falaram em operação urgente. Meu Deus, era por mim que choravam! Eu estava morrendo...

O caminhão passou o sinal vermelho
Eu voltava de um show do Jairzinho com minha amiga Camila. No cruzamento de uma grande avenida de São Paulo, um caminhão passou no sinal vermelho e bateu com tudo na lateral do meu carro. Fomos arrastadas por uns 10 metros até batermos num poste.
Na hora, não senti dor. Nem me dei conta da gravidade do acidente. Lembro de ouvir os médicos do resgate dizerem que eu havia quebrado o pescoço. No hospital, eu seria operada imediatamente.

Meu espírito voltou ao corpo
Enquanto via todo mundo ali aos prantos, caiu a minha ficha do que acontecia... Era eu quem corria risco de vida! O meu corpo estava sendo operado na sala ao lado e minha alma assistia a tudo, do alto. Mas, quando tomei consciência disso, foi como se o meu espírito voltasse ao meu corpo. Tudo se apagou e não senti mais nada.
Acordei na UTI, ainda sem conseguir falar. Estava meio zonza, estranhando todos aqueles aparelhos. Mas, por dentro, eu sentia uma energia muito boa.
Minha mãe foi a primeira a me visitar. Contei que eu a vi chorando por mim com minhas amigas. Falei do anjo sobrevoando o hospital enquanto eu estava sedada. Não fiquei frente à frente com esse anjo, mas sabia que ele estava lá, no céu, zelando por mim. Não sei se é por influência da minha criação católica, mas tudo me pareceu bem real.

Descobri que tive uma EQM
Além de ter quebrado o pescoço, tive nove fraturas no quadril. Recuperada, contei a amigos sobre as coisas que vi. Só aí, vim saber que isso acontecia com algumas pessoas. Essa sensação de sair do corpo, de ter morrido e voltado à vida, é chamada de "experiência de quase-morte", ou, pra simplificar, EQM.
À princípio, pensei que tudo não passasse de efeitos dos remédios. Mas algumas coisas são realmente inexplicáveis, concorda? Afinal, como eu poderia saber quais eram as pessoas que estiveram lá na sala de espera do hospital enquanto eu era operada?

Só tenho motivos pra comemorar
A minha EQM aconteceu há 10 anos e deixou marcas profundas em minha personalidade. Após o acidente, muita gente dizia que meu comportamento era irreconhecível! Antes, eu era muito brava, briguenta, me ofendia por qualquer coisa. Depois, passei a ser uma pessoa bem mais calma e compreensiva.
Me sinto renascida e essa impressão me acompanha até hoje. Depois de ter colocado um pezinho lá do outro lado e voltado inteirinha, tomei consciência de que sou muito mais do que o meu corpo. Hoje, só tenho motivos pra aproveitar ao máximo meus dias."

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O que é Experiência de Quase-Morte (EQM)?

       Ao longo da história da humanidade, homens e mulheres se questionaram sobre o que acontece na hora da morte e buscaram explicações na filosofia ou na religião; esta busca continua até hoje e já existem investigações científicas a este respeito. Na ciência, Raymond Moody, introduziu o termo “Near Death Experience ou NDE” (Experiência de Quase-Morte ou EQM, em português). Este termo passou a ser usado para se referir à experiências subjetivas que eram relatadas por pessoas que estiveram à beira da morte, mas retornaram.
As EQMs apresentam alguns elementos característicos, que se repetem nos relatos de diferentes pessoas, como a visão de um túnel e de uma luz forte, a sensação de estar em uma outra dimensão, a sensação de estar fora do corpo e de poder vê-lo de cima, um sentimento de paz, a percepção de seres não-físicos, a experiência de rever a sua vida, entre outros fenômenos incomuns (Greyson, 2007; Parnia & Fenwick, 2001). Os cientistas estão buscando formas de compreender estes fenômenos, que para os religiosos podem ser confirmações de sua fé.
Mas e você, o que acha? As EQMs confirmam as ideias religiosas? A ciência será capaz de explicar tudo e retirar a EQM da esfera espiritual? Ou a EQM é uma ponte, que permitirá um maior diálogo entre a ciência e a espiritualidade? Se inspire no vídeo e responda a nossa enquete. E caso queira saber de mais informações, leia o texto “Aprofundando”. 

Reportagem de EQM (Experiência de Quase-Morte) no Fantástico-2: 

Aprofundando


Greyson (2007) informa que estas experiências já eram descritas esporadicamente no século XIX. Mas foi apenas em 1975 que o termo EQM surgiu em um livro publicado por Moody, um médico americano, que divulgou experiências incomuns de 150 pessoas que quase morreram (Parnia & Fenwick, 2001). Antes de Moody, Heim, um alpinista suíço, foi o primeiro a descrever a sua experiência de quase-morte (Delgalarrondo, 2008).
Experiências desta natureza, que trazem conteúdos místicos e não se adéquam ás explicações usualmente aceitas, são tratadas como “experiências anômalas ou EAs” e estão associadas à definição do estado alterado de consciência (EAC), que nas palavras de Charles Tart (1972, como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003; p.22) é “uma alteração qualitativa no padrão global de funcionamento mental que o indivíduo sente ser radicalmente diferente do seu modo usual de funcionamento”.
EAs são consideradas elementos importantes nas sociedades, mas têm recebido pouca atenção da comunidade científica, ou são abordados de forma pouco rigorosa, e frequentemente são tratadas como fenômenos raros, associados à “culturas primitivas” ou como indicadores de psicopatologia. No entanto, várias pesquisas populacionais recentes têm demonstrado que estas experiências são muito freqüentes e nas últimas décadas tem havido um reflorescimento das pesquisas nessa área. (Almeida e Lotufo Neto, 2003).
É provável que o número de casos de EQMs aumente dado o avanço das técnicas modernas de ressuscitação (Serralta, Cony, Cembranel, Greyson & Szobt, 2010) e que o número de cientistas interessados no tema também cresça. Greyson (2007), por exemplo, aponta três grandes razões para pesquisar as EQMs: estas experiências geram mudanças abrangentes e duráveis nas crenças, valores e atitudes dos pacientes diante da vida e da morte; estas experiências podem ser confundidas com estados psicopatológicos, mas necessitam de uma abordagem diferente; e o estudo destas experiências poderá promover uma maior compreensão acerca do funcionamento da consciência e de sua relação com o cérebro.
As EQMs podem durar apenas alguns segundos ou minutos (Dalgalarrondo, 2008) e acontecem em crianças ou adultos, de culturas diferentes e independentemente da fé do paciente, embora haja diferenças culturais e religiosas no conteúdo subjetivo da mesma (Parnia & Fenwick, 2001). Os relatos obtidos revelam um conjunto de alterações nos processos cognitivos, pois a percepção funciona de uma forma radicalmente diferente, permitindo experiências extracorpóreas, e a memória também se altera, permitindo a experiência de rever toda a sua vida. A partir de Greyson (1983ª, como citado em Oliveira, n.d), é possível classificar essas alterações em quatro dimensões: a cognitiva, incluindo os pensamentos acelerados; a afetiva, incluindo a sensação de paz; a paranormal, incluindo a experiência extracorpórea; e a transcendental, incluindo o contato com seres não-físicos.
Nós pretendemos, através deste humilde blog, refletir sobre as polêmicas relações entre a mente e o corpo e entre a ciência e a espiritualidade, mostrar como a ciência vem estudando as EQMs, esclarecendo sobre as limitações no estudo desta área, e revelar os questionamentos e as interpretações propostas a partir de diferentes pontos de vista. Acreditamos que os interessados neste tema devem manter a cabeça e o coração abertos para diferentes verdades, pois ciência e religião possuem seus méritos e suas limitações; a busca pelo conhecimento deve ultrapassar a nossa necessidade de comprovar nossas próprias crenças ou hipóteses. Veja as próximas publicações. 

Bibliografias

Todos as referências utilizadas estão na página "Indicações de vídeos e leituras". 

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O passado e o presente do estudo da EQM. Dificuldades e limitações.

Uma boa parte dos estudos sobre a EQM se propõe a encontrar as causas, a etiologia do fenômeno, mas ainda não há um consenso. As hipóteses explicativas propostas incluem variáveis relativas à aspectos biológicos, psicológicos e sociais; fatores lingüísticos também afetam os estudos. Existe ainda um embate entre “biológico x social”, mas todos nós temos uma herança cultural, abrangendo significados, normas e valores que orientam o nosso modo particular de ver o mundo e nós mesmos.
Por causa dessa influência cultural, as EQMs são investigadas através de estudos transculturais, além dos longitudinais Os estudos transculturais podem determinar quais são as características que permanecem invariáveis e quais são aquelas que são moduladas diante do contexto social. Já os estudos longitudinais são bons para inferências causais, pois permitem estabelecer uma sequência temporal de eventos, identificando o surgimento de cada variável associada. (Almeida e Lotufo Neto, 2003).
Há ainda estudos retrospectivos e prospectivos, os retrospectivos se baseiam nos relatos de pacientes que já vivenciaram uma EQM e os prospectivos acompanham pacientes que podem ou não vir a ter esta experiência. French (2001, como citado em Greyson, 2007) informa que a maioria dos estudos nesta área são retrospectivos e que isto é problemático na medida em que é difícil confiar na memória dos pacientes. Parnia e Fenwick (2001), por sua vez, relatam estudos prospectivos feitos com pacientes cardíacos que vivenciaram EQMs ao sofrer paradas cardíacas. E quanto ao uso de instrumentos de avaliação, o The Near-Death Experience Scale (NDE) é o principal, mas pesquisas serão necessárias para adaptá-lo ao português do Brasil (Serralta; Cony; Cembranel; Greyson; Szobt, 2010).
As investigações nesta área precisam associar diferentes métodos de pesquisa e diferentes saberes. Caso queira saber mais sobre as hipóteses, as dificuldades e as limitações das pesquisas nesta área, leia o texto “aprofundando”. E se quiser conhecer um estudo brasileiro, veja o vídeo do Globo repórter no qual aparece uma iniciativa da UFJF:



Aprofundando


Apesar do caráter biopsicosocial deste fenômeno, as hipóteses formuladas podem enfatizar mais uma dimensão do que as outras. French (2005; Greyson, 2000, como citado em Serralta; Cony; Cembranel; Greyson; Szobt, 2010) informa que teorias biológicas “acentuam a relação da EQM com hipoxia cerebral, anoxia, hipercarbia, funcionamento de neurotransmissores e atividades anormais nos lobos temporais” (p.36); as teorias psicológicas, por sua vez, “salientam que EQMs parecem constituir a expressão da dissociação como mecanismo de defesa diante de situações de perigo extremo” (p.36).
Algumas pesquisas revelaram a importância de fatores psicológicos. As EQMs são descritas como experiências que acontecem em situações de risco à vida, no entanto, estudos demonstraram que estas podem ocorrer em contextos nos quais o risco não é clinicamente real (Serralta; Cony; Cembranel; Greyson; Szobt (2010). O risco pode existir apenas na percepção subjetiva do paciente, o que gera a hipótese de que um dos fatores desencadeantes das experiências de quase-morte pode ser a crença que o paciente tem de que está efetivamente morrendo, o que seria uma variável complexa na compreensão da EQM.
Também é importante considerar os fatores lingüísticos. O repertório oferecido pelo vocabulário ocidental, pela linguagem cotidiana, revela-se insuficiente e inadequado para a descrição de vivências espirituais. Quem nunca chegou a afirmar que não tinha palavras para expressar algo? Imagine então esta sensação diante de uma experiência de quase-morte. Stevenson (1983, como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003) argumenta que algumas palavras como “alucinação”, por exemplo, são muito inapropriadas para descrever estas experiências, principalmente quando usados por aqueles que não as vivenciaram; inibem o paciente.
Por estas razões, a avaliação semântica fornecida por um instrumento em diferentes culturas deve receber uma atenção especial, pois esta “envolve questões culturais e de linguagem que podem comprometer a validade conceitual e as propriedades psicométricas do instrumento” (Hauck e cols, 2006, como citado em Serralta; Cony; Cembranel; Greyson; Szobt, 2010, p.38). Desse modo, ao traduzir os relatos para outra língua é necessário se basear “nos conceitos envolvidos, e não nas palavras” (Alarcón, 1995, como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003, p.25).
Percebe-se que o tema é complexo e há dificuldades para estabelecer um consenso sobre a causa das EQMs. Critica-se, por exemplo, algumas incoerências ou falta de plausibilidade nas teorias biológicas, mas ao julgar algo como biologicamente plausível estamos nos baseando nos conhecimentos existentes e é preciso reconhecer que algumas idéias propostas podem parecer estranhas porque são novas para a ciência (Hill, 1965, como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003). Além disso, o ato de determinar uma causa “é sempre um julgamento feito pelo pesquisador à luz das evidências disponíveis” (Almeida e Lotufo Neto, 2003, p.26).
Como há uma influência social, temos a tendência de padronizar o “bom” ou “normal”, como aquilo que é padrão em nossa cultura, e como “ruim” ou “patológico” os fenômenos, costumes e visões de outras culturas. O mesmo acontece com relação aos diferentes tipos de consciência e os EAC, como a EQM. É o que mostram Almeida e Lotufo Neto (2003), ao afirmar que é comum “considerar um EAC como ‘bom’ ou ‘ruim’ avaliando-o apenas segundo os critérios mais desenvolvidos em nosso estado habitual de consciência (raciocínio lógico, habilidades matemáticas...)”(p.24). Há o julgamento de que o nosso estado ordinário de consciência é algo natural e o único modo de lidar corretamente com a realidade, porém nossas percepções são variadas e, apesar de terem base na realidade física, dependem dos recursos da nossa aparelhagem biológica e são moldados pelo ambiente cultural onde nos desenvolvemos.
      O pesquisador frente a esse tema, precisa se permitir ver que não há uma verdade absoluta, tendo uma abertura diante de outras perspectivas. A ciência não deve ignorar ou desqualificar a literatura produzida pelas próprias comunidades ou indivíduos que vivenciam os fenômenos em estudo, pois esta literatura pode enriquecer as investigações. Felizmente, a ciência já está mudando a sua postura diante do diferente e já há um reconhecimento, mesmo pelo DSM-IV, de que nem todas as experiências místicas são evidências de psicopatologia (Cardeña et al., 1994, como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003). Esperamos que o diálogo entre os diferentes saberes aumente e contribua para a investigação deste tema tão complexo. 


Bibliografias 

Todos as referências utilizadas estão na página "Indicações de vídeos e leituras". E se quiser conhecer mais sobre os estudos brasileiros  na área das experiências espirituais, visite o link e se informe sobre a iniciativa da UFJF. 
http://www.ufjf.br/nupes/linhas-de-pesquisa/experiencias-religiosas-e-espirituais/. 


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Morte e Consciência

O que seria a morte?


A morte tornou-se questão para o homem a partir de seus sentimentos ambivalentes para com o outro. A morte de um inimigo podia ser concebida sob forma de aniquilamento total, mas a perda de um ente querido bem como odiado sob alguns aspectos fê-lo criar a noção de alma, de uma continuação pós-morte, de forma que este, que antes da morte era fonte de ódio e amor, passa a também ser fonte de temor e respeito como espírito (Freud, 1914-16, p.332-333, como citado em Alves, 2013).

A morte, até pouco tempo, tinha por definição geral, o momento em que a mente e o corpo deixavam de funcionar ao mesmo tempo, o “ultimo suspiro” ou quando o coração não batia mais. Os testes para essa comprovação, pela simplicidade, não tinham problemas para comprovar a ausência de pulso, dos batimentos cardíacos e dos movimentos dos pulmões. Observam-se as representações que estão ligadas ao "morrer", temas e signos que marcam sua trajetória na literatura: sono, noite, trevas, terra, céu, destino, etc...
A morte recebeu inúmeros conceitos ao passar dos anos devido aos avanços tecnológicos da medicina e das informações que eram disponibilizadas, tanto por conta dos valores culturais da sociedade acerca do assunto quanto pelo conhecimento cientifico. Segundo Lima (2004) definiu-se, então, um conceito para cada um dos tópicos estudados, para que assim, houvesse apenas um conceito universal para todos os países:

O conceito de morte reflete a compreensão social dos limites possíveis da vida e baseia-se na experiência vivida. Relaciona-se de forma complexa com o conhecimento cientifico. Os critérios de morte refletem o que julgamos necessário acontecer – à luz do conhecimento fisiopatológico – para que aquilo que estabelecemos como morte possa acontecer. Os testes são os procedimentos práticos que nos ajudam a determinar quando os critérios são satisfeitos, ou seja, quando ocorre a morte (Lima, 2004, p. 07).

Souza (2009, como citado em Alves, 2013) esclarece que embora a biociência e a medicina estudem o processo físico da morte, é papel da psicologia compreender a mente diante da finitude da vida. A morte acompanha todo o trajeto do ser humano desde o seu nascimento até o encerramento do ciclo vital, traz consigo uma carga emocional relativamente alta, seja em quem está em seu estado terminal, seja naqueles que estão a sua volta. Atualmente, morrer passou a ser visto como um processo e não mais como um evento ou momento.

As implicações do diagnóstico da morte para a compreensão das experiências de quase-morte.


A morte clínica é observada quando há parada das funções cardíacas, respiratórias e do funcionamento cerebral, mas, com possibilidade de reanimação. Essas situações não definem o momento da morte propriamente dita. Atualmente, existem vários métodos para o diagnóstico de morte. A reanimação confirma que a morte não é um evento que ocorre apenas uma vez. Por isso, faz-se necessária a distinção entre a morte dita clínica e a morte vital.
Na morte vital, não existe a possibilidade de reanimação, é quando ocorre a morte das células do corpo. A morte vital é “uma parada irreversível das funções vitais” (Souza, 2009, p.58, como citado em Alves, 2013). “[...] Em outras palavras, a ‘morte’ é definida como o estado do corpo do qual é impossível voltar à vida” (Moody, 1979, p.142, como citado em Alves, 2013). Mas, como informa Souza (2009, como citado em Alves, 2013), entre a morte clínica e a morte vital existe uma distância temporal de aproximadamente cinco minutos, podendo chegar até os trinta minutos. Isso nos leva a refletir que em alguns casos de experiências de quase-morte, a pessoa foi diagnosticada como morta clinicamente, embora ainda estivesse viva e, portanto, o seu cérebro ainda não tinha parado de funcionar durante a EQM. Essa reflexão apóia o pressuposto científico de que a consciência é uma função do cérebro.
O diagnóstico de morte encefálica é decisivo na busca pela confirmação do pressuposto mencionado; é definido pela total ausência das atividades ou funções cerebrais e, consequentemente, pela perda da consciência. Este diagnóstico é a máxima expressão da insuficiência do cérebro, havendo inclusive a perda dos reflexos do tronco cerebral. (Alves, 2013). A ocorrência de uma EQM em um quadro assim seria um forte indicador para questionar a validade do pressuposto assumido cientificamente.
 Na maioria das vezes, quem passa por uma morte clínica e é reanimado, não se lembra de nada do que ocorreu. Algumas pessoas relatam que parecia como se elas estivessem em um sonho e o fato de acordar pudesse ter apagado o que elas tinham visto e/ou vivido. Em outros casos, são relatados, que os indivíduos lembram vividamente de tudo o que aconteceu durante todo o processo de morte clínica. Parte desses relatos evidenciam experiências muito vívidas do que estava ocorrendo ao seu redor e/ou em torno do indivíduo, essas experiências são chamadas de EQM.
     Segundo Borges (1999, como citado em Alves, 2013) na EQM, a consciência extracorpórea não percebe apenas o mundo físico, mas parece relacionar-se com outro tipo de realidade não-física, experimentando com freqüência um sentimento profundo de amor e de paz, assim como de unidade com todo o universo.
     De acordo com Greyson (2007, como citado em Alves, 2013) os aspectos transcendentais ou místicos e a ocorrência de um funcionamento mental ampliado, quando o cérebro está gravemente danificado, desafiam a teoria comum da neurociência, a qual afirma que a consciência é unicamente o produto de processos cerebrais, ou que a mente é meramente um epifenômeno (um fenômeno juntando a outro). O conhecimento da relação mente-cérebro poderia ser ampliada através de uma exploração de ocorrências extraordinárias como a EQM, que pode revelar as limitações do modelo atual de compreensão e afirmar a necessidade de se desenvolver um modelo explicativo mais abrangente (Alves, 2013).  A compreensão do tema ainda está nos seus primórdios.


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Relação mente x cérebro nas Experiências de Quase-Morte

Acerca do tema da relação espiritualidade x saúde, pesquisas têm aumentado não somente no Brasil como também no exterior. O foco dessas pesquisas costuma girar em torno dos aspectos sociológicos ou das próprias crenças religiosas, mas os trabalhos recentes enfocam também a mente como sendo um agente na causa das alterações cerebrais e corporais.
 Experiências de quase-morte (EQM) costumam ser explicadas através de alterações cerebrais, sendo consideradas uma provável alucinação. Contudo, não há consenso nas pesquisas e nem comprovações empíricas suficientes para a hipótese. Segundo Moreira-Almeida (2009), há ocorrência de experiências de quase-morte que não estão relacionadas com os níveis de oxigenação ou fluxo sanguíneo, contrariando uma das explicações propostas. Parnia (2007, como citado em Moreira-Almeida, 2009), defendeu recentemente que os estudos sobre as EQMs podem oferecer a “chave” para entender o mistério da consciência.

Aprofundando


         O interesse em investigações sobre as Experiências Espirituais (EE), sobre sua natureza, origem e implicações na Relação Mente-Corpo (RMC) ainda é pequeno. Pierre Janet, William James, Frederic Myers e Carl G. Jung são exemplos de pesquisadores que trabalharam com experiências espirituais e suas implicações para a questão da RMC. Estudos deixados por eles forneceram uma base para as teorias sobre mente subconsciente que existem hoje.  (Moreira-Almeida, 2009). 
A ciência atualmente busca estudar o cérebro como sendo um agente na causa das alterações observadas nestas experiências. No entanto, Beauregard (2007, como citado em Moreira-Almeida, 2009) concluiu, através de dados de estudos com neuroimagem, que o conteúdo intencional dos processos mentais, como as crenças e os pensamentos, afetam significativamente o funcionamento cerebral em nível molecular e neural. Dessa forma, é necessário considerar as variáveis mentalísticas e não só a bioquímica do cérebro.
Stapp (2006) e Beauregard (2005) (como citado em Moreira-Almeida, 2009), defendiam um interacionismo não reducionista entre mente e cérebro. Stapp, por exemplo, propõe um modelo “neurofísico de interação mente-corpo”, o qual não conflitaria com as leis da física. Uma das consequência da aceitação das hipóteses reducionistas parece ser a negação da existência de fenômenos não facilmente explicáveis.
Estudos sobre experiências anômalas, com conteúdos místicos ou espirituais, continuarão sofrendo limitações se suas análises continuarem a se restringir somente às comparações com as ocorrências mentais do cotidiano ou com o estado de consciência considerado normal. Estas experiências podem fornecer vários dados relevantes para a compreensão da relação entre a mente e o corpo (RMC), entre a consciência e o cérebro. É possível estudá-las a partir de dois pressupostos: a consciência e a mente são funções do cérebro x existe uma mente independente do cérebro. A falta de consenso sobre a explicação influencia a geração de crenças na existência de uma alma independente do corpo e da vida após a morte. (Moreira-Almeida, 2009).
O funcionamento lúcido durante as EQM, relatado por alguns pacientes, intriga os cientistas sobre a RMC. Pesquisas mostraram que o EEG indica ausência de atividade elétrica cerebral cortical após 10 ou 20 segundos de parada cardíaca, porém alguns pacientes que tiveram EQM durante as paradas afirmaram que conseguiam pensar com maior lucidez do que em um estado de vigília. Dados como esse questionam o pressuposto científico de que a consciência é dependente do funcionamento cerebral (Moreira-Almeida, 2009).
Outra característica dos relatos de EQMs é a descrição feita pelo paciente de situações que ocorreram enquanto o mesmo estava clinicamente diagnostico como inconsciente e que não poderiam ter sido percebidas com seus sentidos normais, mesmo que estivesse consciente. Surpreendentemente, algumas dessas descrições são posteriormente confirmadas por terceiros. (Moreira-Almeida, 2009). Há ainda casos inexplicáveis de cegos de nascença que afirmam vivenciar percepções visuais durante a experiência.
Indo numa direção oposto à da maioria dos cientistas, há autores que estudaram casos de EQM em paradas cardíacas e defendem que:

[...] paradoxalmente a mente humana e a consciência podem continuar a funcionar durante a parada cardíaca [...] levantando a possibilidade que a mente humana e a consciência possam continuar a funcionar na ausência de função cerebral (Parnia, 2007, como citado em Moreira-Almeida, 2009, p.296).

Esse texto teve como objetivo introduzir de forma breve uma revisão sobre a relevância das experiências de quase-morte para o entendimento da relação entre a mente e o corpo. Nota-se a necessidade de mais estudos para compreender os mistérios da natureza da consciência, sua relação com o corpo e a possibilidade da sobrevivência após a morte; o tema pode ser abordado dentro da perspectiva científica de pesquisa, buscando uma investigação rigorosa (Moreira-Almeida, 2006). É importante ressaltar que existem pesquisadores tentando fazer um outro tipo de ciência, adotando um outro paradigma sobre a consciência, como é o caso do trabalho pioneiro do brasileiro Waldo Vieira (http://www.iipc.org.br/).

Definição de Consciência x Mente e Cérebro


Na visão comum da neurociência, a mente é o cérebro em funcionamento, ou seja, é o conjunto de processos cognitivos que ocorrem no cérebro. A consciência, nesta perspectiva, é uma propriedade da mente, que depende de um estado cerebral ativo. No entanto, alguns pesquisadores acreditam que a mente e, consequentemente, a consciência, seriam independentes e não localizadas no cérebro. Esta polêmica é conhecida como a Relação Mente x Cérebro, que foi explorado no texto acima.      


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O cérebro nas EQMs


Apesar de suas explicações se aproximarem bastante do campo místico e religioso, as experiências de quase-morte também vêm chamando atenção dos cientistas, que buscam explicações neurológicas para a sensação de paz, o túnel misterioso e a luz vibrante tanto descritas por pacientes que em algum momento já vivenciaram esta experiência. Veja alguns das hipóteses propostas:

Defesa diante da morte:

Uma pesquisa mostrada pela Gallup (como citado no site da Sociedade Racionalista da USP), indica que cerca de 3% da população dos EUA diz ter tido uma experiência de quase-morte. Entretanto, um outro estudo com 58 pacientes apontou que cerca de 30 deles não estavam realmente em perigo de morte, mas pensavam que estivesse. Seria a EQM um mecanismo de defesa da mente?
 O lócus ceruleus, por exemplo, é uma região do encéfalo envolvida no mecanismo de liberação de noradrenalina, um hormônio do estresse, durante um trauma; no caso das EQMs, o trauma seria o medo de estar perto da morte. O lócus ceruleus está conectado com a amígdala e o hipocampo, regiões que modulam a emoção e a memória, processos alterados durante estas experiências. Este fato ajuda a confirmar o discurso elaborado pela Sociedade Racionalista da USP de que todas as características das experiências de quase-morte possuem alguma base na alteração do funcionamento normal do encéfalo.

Fatores psicológicos

            As EQMs também recebem explicações psicológicas, freqüentemente relacionadas com a reação diante de um evento traumático (morte). Sabe-se que as EQMs marcam a vida dos indivíduos de tal forma, que estes precisam se reorganizar psicologicamente, mudando a personalidade, as relações interpessoais e a percepção da vida e da morte. A possibilidade de morrer pode desencadear mecanismos de defesa, como a descarga emocional e memórias intrusivas, que ocorrem também na “dissociação” e no “transtorno do estresse pós-traumático”. (Greyson, 2007)

Neurotransmissores

            Alguns pesquisadores propõem ainda que a bioquímica dos neurotransmissores pode ser uma explicação para a experiência. Indica-se o efeito de endorfinas e opióides endógenos, que estão associados à mecanismos de defesa e são liberados em condições de estresse. Menciona-se também a adrenalina, a serotonina, a vasopressina e o glutamato. (Greyson, 2007). Em uma entrevista na revista Abril, K. Nelson informa que o anestésico quetamina provoca experiências extracorpóreas, mas que EQMs podem ocorrer sem o uso de medicamentos.

Fluxo sanguíneo e oxigênio

Outro fator importante em relação à compreensão da EQM é o fluxo sanguíneo. Kevin Nelson (como citado no site da Sociedade Racionalista da USP), em seu livro The Spiritual Doorway in the Brain – a Neurologist’s Search for the God Experience (O Portal Espiritual no Cérebro – a Busca de um Neurologista pela Experiência Divina), diz que normalmente 20% do fluxo sanguíneo é direcionado para o cérebro, mas que este mesmo fluxo pode abaixar para 6% antes de ficarmos inconscientes. Quando enfim desmaiamos, o nervo vago (que se conecta com o coração) desloca a nossa consciência para o sono REM, causando uma intromissão, onde se transita da vigília para o sono. Essa intromissão pode acarretar em uma “paralisia do sono”, onde as pessoas despertas experimentam experiências surpreendentemente vívidas e incomuns.
Além disso, a redução do fluxo sanguíneo nos olhos é uma explicação plausível para a visão do túnel de luz, pois a periferia da retina é mais sensível para esta redução do que o centro e isto justifica a percepção de um túnel (pontos de luz centrais). Greyson (2007) informa ainda que o baixo nível de oxigênio (hipóxia ou apóxia) pode causar alucinação. Em uma pesquisa feita pela força aérea americana, por exemplo, os pilotos foram submetidos a uma grande pressão que diminuiu o fluxo de sangue e o oxigênio do cérebro. Após a experiência, eles relataram ver o túnel, as luzes e a vida passando diante de seus olhos; veja o vídeo a seguir:

  

Lobo Temporal

Uma área do cérebro está recebendo destaque nos estudos de experiências místicas, esta área é o lobo temporal (Greyson, 2010). Borges (n.d) afirma que Penfield presenciou relatos sobre a sensação de deixar o corpo enquanto estimulava esta região do cérebro. Em um experimento, que ficou conhecido como o "Capacete de Deus", demonstra-se que após a ativação desta área são relatadas aparições de entidades e luzes, experiências extracorpóreas, onde o paciente se sente flutuar e vê seu próprio corpo dormindo, entre outras vivências incomuns. Veja o vídeo a seguir: 


Controvérsias

            Parnia e Fenwick (2001) informam que a maior parte dos estudos na área são retrospectivos, mas que um estudo prospectivo de um ano com pacientes cardíacos não apoiou as hipóteses explicativas baseadas no nível de oxigênio ou no uso de medicamentos, entre outras. A lembrança do que aconteceu no período em que o cérebro estava debilitado e em que o paciente estava inconsciente consiste em um dos dados que questionam a validade das hipóteses levantadas.  Estes mesmos autores afirmam a necessidade de elaborar novos esquemas para explicar fenômenos subjetivos, como a EQM; as pesquisas podem contribuir para a compreensão do que é popularmente conhecido como espiritualidade.
            Greyson (2007) também informa sobre os dados que questionam a validade destas hipóteses: a percepção visual em cegos; a descrição confirmada por terceiros de detalhes que ocorreram durante a operação ou de eventos que ocorreram a uma distancia inalcançável pelos sentidos. Há também casos específicos que foram monitorados fisiologicamente e que contrariaram as hipóteses sobre o funcionamento cerebral durante uma EQM.  




           
            Todas as hipóteses listadas são plausíveis e recebem o apoio de muitos cientistas, embora ainda não haja consenso sobre as suas comprovações ou validade. Apesar dos avanços das pesquisas nessa área, a EQM continua sendo um assunto misterioso para os cientistas, algumas falhas nas explicações dão margem para se pensar EQM como um fenômeno espiritual.  Porém, apesar de tudo, ainda não se sabe se a EQM é propriamente um produto da mente ou do cérebro.
Percebe-se que quando o assunto é apresentado pela mídia, explora-se o caráter misterioso desse fenômeno ou se cria a tendência de confirmar alguma das explicações, ora afirmando idéias da ciência ora afirmando suposições espirituais. Mas ao ler os textos científicos, constata-se que são muitas hipóteses e pouco consenso; as explicações propostas até agora precisam ser aprimoradas e podem até ser modificadas a partir de pesquisas futuras.  

Links

Link da revista Abril – entrevista com o cientista Kevin Nelson:

Link da Sociedade Racionalista da USP – a Neurologia das Experiência de Quase-Morte:

Bibliografias

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Linguagem e Religião nas interpretações das EQMs

Ao entrar no campo de estudos sobre as Experiências de Quase Morte (EQMs), é praticamente impossível não falar sobre contextos religiosos, por mais que a ciência tenha crescido e se desenvolvido, ganhando assim uma forte influência na sociedade e no meio acadêmico, ela se depara muitas vezes com suas próprias limitações. Uma das limitações existentes é a dificuldade de expressar em palavras o que as pessoas vivenciaram na EQM, cabendo assim um aprofundamento do estudo por parte da psicologia da linguagem.
Moody (1979, como citado em Junior, 2010), um dos principais pesquisadores de EQM, entrevistou diversas pessoas que tinham passado pela experiência de quase-morte e retornado. Em suas publicações sobre a pesquisa, ele relata que a maioria das pessoas mostrou uma grande semelhança em seus discursos, tendo como base ideias espirituais, mesmo sendo elas de diversas religiões e/ou de diferentes circunstâncias sociais.
A idade também parece não importar, pois crianças e adultos relatam experiências semelhantes, ainda que não compartilhem o mesmo estado de desenvolvimento. Ou seja, embora não possuam o mesmo nível de abstração no raciocínio e na linguagem, nem as mesmas expectativas ou representações sobre a morte, crianças e adultos relatam pontos em comum (Greyson, 2007). É necessário, no entanto, considerar as lacunas existentes no estudo sobre as singularidades e o conteúdo subjetivo das EQMs; a maior parte dos estudos busca analisar a universalidade, deixando de lado as diferenças no conteúdo.    
Até aqueles que não possuem convicções religiosas específicas, ao passar pela EQM visualizam imagens de seres de luz e tem experiências parecidas e/ou iguais aqueles que possuem crenças definidas, mostrando assim que as EQMs não se aplicam unicamente à pessoas religiosas (Champlin, 1982, como citado em Junior, 2010). Diante das informações apresentadas evidencia-se a necessidade de analisar a associação entre o presente tema e as interpretações religiosas. Pelo fato de existir uma grande quantidade de religiões diferentes, iremos nos ater a duas principais: a cristã e a espírita.

A visão cristã 


       A visão cristã, que tem como base os ensinamentos da Bíblia, tem pontos de convergência e divergência sobre as EQMs. É possível observar em diversas passagens bíblicas, principalmente no novo testamento, uma abordagem com mais detalhes sobre como é o outro lado da vida. No livro de apocalipse, a Bíblia mostra com maior riqueza a descrição do céu, onde há um rio cristalino, árvores com frutos e seres cantando músicas celestiais. A cidade também, mesmo não tendo lâmpadas é iluminada pelo Cordeiro (Ap 22:5). Pode-se observar uma correlação entre os relatos de pessoas que passaram pelas EQMs, com as descrições acima citadas. Champlin (1982, p.250-251 como citado em Junior, 2010; p.09) descreve o depoimento de uma mulher: “Havia uma luz dourada, por toda a parte (...) e também havia música. E eu parecia estar em um campo dotado de riachos, grama, árvores e montanhas”.
Com relação às descrições que as pessoas relatam das vivências, é curioso observar que mesmo sendo de culturas diferentes e diversas regiões do mundo, uma grande parte dos pacientes alegam ter visto em sua EQM, um túnel de luz que ao atravessar viam campos, e lugares, e objetos relacionados à paz e harmonia. Esses signos parecem ser universais e transculturais, é claro que alguns elementos relatados na experiência poderão ser singulares da história de vida de cada um dos sujeitos, partindo assim para o estudo da macrolinguística e das influências culturais.
Junior (2010) pontua: “outra semelhança interessante entre as EQMs e uma narrativa bíblica é sobre a inefabilidade da experiência vivida” (p.10). A maioria das pessoas que passam por esta experiência tem dificuldade de expressar o que viveram, sendo as palavras humanas insuficientes para descrever o que viram. Isto aconteceu também com o apóstolo Paulo, ao se dirigir aos cristãos da cidade de Corinto ele disse que: “foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar” (2 Co 12: 4). Este aspecto deve ser bem analisado na hora de correlacionar as EQMs e a psicologia da linguagem, pois muitas vezes a semântica existente é pouca para relatar uma experiência deste tipo. É necessário que haja uma tentativa de adaptação do que foi visto aos signos existentes dentro de uma cultura específica.
            Um ponto principal de divergência entre o contexto cristão e as EQMs consiste no fato de que a maioria das pessoas que passaram pela experiência de quase-morte dizem ter tido EQM positiva (experimentaram coisas boas durante o episódio) mesmo sem terem uma religião específica ou seguirem fielmente as doutrinas bíblicas antes do acontecimento. Conforme a Bíblia, aqueles que em vida não aceitaram a salvação de Cristo e não cumpriram com os seus mandamentos terão como consequência a condenação eterna no inferno. Com isto, é difícil para alguns líderes religiosos aceitarem o fato de que a maioria dos homens experimentam amor e misericórdia após a morte biológica, mesmo sem merecer (Junior, 2010).

A visão espírita


A interpretação espírita sobre as EQMs está relacionada em alguns aspectos com a religião cristã e em outros divergem completamente. O espiritismo acredita, assim como o cristianismo, em conseqüências para as nossas ações. Mas enquanto o cristianismo adota a concepção de céu ou inferno, o espiritismo adota a concepção de reencarnação. Para os espíritas, as pessoas podem evoluir ao longo de várias encarnações ou vidas na terra. O espiritismo enxerga o corpo como um meio de expressão das vivências espirituais, considera uma interdependência entre a mente e o corpo e acredita que as pessoas podem entrar em contato com a espiritualidade. Dentro desta visão é possível haver comunicação com pessoas já falecidas ou até recordações de vidas passadas, o que é coerente com alguns relatos de EQMs.
Além disso, para os religiosos, estas experiências são manifestações da espiritualidade humana e, por isso, não são apenas o resultado de uma alteração cerebral, como defendem alguns cientistas. Guy Lyon Playfair (n.d., como citado em Nahm, 2011) relatou um caso de uma paciente que havia se tornado incapaz de reconhecer os seus familiares. Antes de morrer, ela teve a experiência de ver e reconhecer seus irmãos, que já haviam falecido há bastante tempo. A visão foi tão real que ela pediu a enfermeira que a servisse três xícaras de chá. Algumas pessoas relatam estados de lucidez próximos da morte, independentemente de sua condição física e para alguns, isto pode indicar a existência de uma dimensão espiritual além do corpo.
Não pretendemos com este blog dizer qual religião está certa ou errada (longe disto), queremos sim, propor uma reflexão crítica sobre a importância de incluir, nos estudos sobre as EQMs, as interpretações religiosas. Para muitas religiões existentes o ser humano é dotado de espírito e/ou alma e a maioria acredita em uma vida após a morte e na figura de um ser transcendental, denominado por muitos como Deus, que muitas vezes vai além da compreensão humana e do empirismo cientifico. Mas, em vez de haver um duelo entre ciência X religião, acreditamos que possa existir uma maior interação entre os dois pólos, até pela importância de pensar e conceber o homem não apenas como um ser biopsicossocial, mas também como espiritual.


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Espiritualidade e Saúde

Ao longo do tempo, é possível observar um duelo de separação entre a ciência e a religião como dois campos oposto e divergentes. Contudo no inicio deste século pode-se observar um desenvolvimento maior de pesquisas que envolvem a espiritualidade e a saúde tendo aquela como fundamental para o tratamento de pacientes em casos terminais. 
Elias (2003) mostra em sua pesquisa a importância das vivências espirituais para os pacientes. Vale salientar que na ciência, espiritualidade e religiosidade são diferentes. O fato de pertencer ou não há uma organização religiosa não determina a espiritualidade do indivíduo (Thonsem, 1998, como citado em Elias & Giglio, 2002).
Sabe-se que a espiritualidade sempre esteve presente na humanidade, o que indica a sua importância na filogênese da espécie. A espiritualidade preencheu a necessidade humana de encontrar explicações para tudo aquilo que os afetava, mas estava fora do seu controle, como é o caso da morte. Negligenciar este fator é, desse modo, ignorar uma necessidade humana, que influencia a nossa percepção dos fatos e a nossa capacidade de lidar com eles; o que ,consequentemente,  afeta o nosso bem-estar e a nossa saúde. 
Os resultados da pesquisa citada indicaram a importância de considerar a espiritualidade no contexto da saúde. Experiências de quase-morte, entre outras experiências espirituais, exercem impactos positivos nos pacientes e podem aprimorar sua forma de lidar com a doença, fornecendo novas maneiras de encarar o processo de morrer.  Para saber mais, leia o texto “aprofundando”.

Aprofundando


O momento da morte é encarado pela maioria das pessoas como algo tenebroso, sombrio e assustador, levando muitas vezes os pacientes em quadros de doenças irreversíveis a se desesperarem, agravando mais ainda o seu estado de saúde e sua situação psíquica. Pensando nisso, Elias e Giglio, (2002, p.3) se utilizaram de “técnicas de Relaxamento Mental e Visualização de Imagens Mentais com elementos que descrevem a natureza da Espiritualidade, como forma de re-significar a dor simbólica da morte em pacientes terminais”. Esse tipo de intervenção enquadra-se dentro dos objetivos da psicoterapia breve de apoio, que tem como finalidade segundo Elias (2003, p.2) “recuperar o equilíbrio homeostático que se expressa no alivio dos sintomas”.
A pesquisadora pedia aos pacientes para visualizarem em sua mente imagens confortadoras ligadas a espiritualidade como paisagens tranquilas e bonitas, levando-os a desfocar o pensamento do medo, das angustias frente à morte, focando-os em estados mentais de serenidade, beleza e paz. Espiritualidade neste contexto, foi definida conforme Elias e Giglio (2002, p.4), como estando “relacionada a uma atitude, a uma ação interna, a uma ampliação da consciência, a um contato do indivíduo com sentimentos e pensamentos superiores”.
Os resultados da pesquisa comprovaram que as pessoas que foram submetidas a este tipo de intervenção obtiveram melhor qualidade de vida no processo de morrer, bem como uma morte digna e serena. Um exemplo disto foi este caso relatado por Elias (2003, p.4):
J.C.B., aproximadamente uma hora antes do óbito, pediu que a psicóloga colocasse a música suave e instrumental durante o atendimento e pediu-lhe para orientar o processo de visualização com paisagens tranquilas e bonitas. No momento do óbito ainda escutava a música e estava sereno. Havia a possibilidade do paciente morrer por asfixia, com muita aflição, o que não ocorreu.

        Muitas pessoas antes de morrer em uma das seções obtiveram experiências metafísicas, como foi o caso de uma criança que disse ter visto três crianças vestidas de branco, que tinham vindo brincar com ela, após o acontecido a criança se mostrou mais relaxada (Elias, 2003). Isto nos faz refletir sobre a importância das EQMs. Experiências de quase-morte, como o próprio nome sugere, estão associadas à pacientes que sofreram um risco real de morte, no entanto, algumas pesquisas indicam que a mesma pode ocorrer diante da percepção subjetiva de um risco, que pode não ser clinicamente real (Serralta; Cony; Cembranel; Greyson; Szobt (2010). Diante disso, alguns teóricos defendem que tais experiências são defesas subjetivas diante da morte. Portanto, experiências com conteúdo espiritual são relevantes para o paciente no enfrentamento do processo de morrer.
Além disso, Os pacientes que passam pelas EQMs positivas tendem a melhorar psicologicamente, como também a querer ser uma pessoa melhor depois da experiência, devido ao amor e compaixão oferecidos pelo ser de luz (Junior, 2010). Há também os casos de EQMs negativas, mas de qualquer forma tais vivências induzem o indivíduo a mudar suas atitudes diante da vida. O processo de mudança pode ser difícil para algumas pessoas, incluindo alterações de personalidade, depressões ou conflitos nas relações interpessoais, mas é sempre significativo (Greyson, 2007). Este processo não estão ligado à religiosidade, visto que, nem todos que passaram pela experiência têm uma crença definida, está ligado sim à espiritualidade, de acordo com a definição proposta anteriormente.
Como podemos observar sumariamente, é importante que haja uma inclusão da espiritualidade nos tratamentos médicos convencionais em pacientes portadores de doenças graves e/ou terminais, como uma forma de re-significação da dor simbólica da morte, levando os mesmos a terem uma morte de forma digna e serena. Propomos também uma reflexão sobre as EQMs, tida por muitos como algo ruim ou assustador, quando na verdade a maioria das pessoas tem consequências positivas ao passar pela experiência.

Se quiser refletir um pouco mais sobre as EQMs em crianças, assista o vídeo:

                 


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