segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Linguagem e Religião nas interpretações das EQMs

Ao entrar no campo de estudos sobre as Experiências de Quase Morte (EQMs), é praticamente impossível não falar sobre contextos religiosos, por mais que a ciência tenha crescido e se desenvolvido, ganhando assim uma forte influência na sociedade e no meio acadêmico, ela se depara muitas vezes com suas próprias limitações. Uma das limitações existentes é a dificuldade de expressar em palavras o que as pessoas vivenciaram na EQM, cabendo assim um aprofundamento do estudo por parte da psicologia da linguagem.
Moody (1979, como citado em Junior, 2010), um dos principais pesquisadores de EQM, entrevistou diversas pessoas que tinham passado pela experiência de quase-morte e retornado. Em suas publicações sobre a pesquisa, ele relata que a maioria das pessoas mostrou uma grande semelhança em seus discursos, tendo como base ideias espirituais, mesmo sendo elas de diversas religiões e/ou de diferentes circunstâncias sociais.
A idade também parece não importar, pois crianças e adultos relatam experiências semelhantes, ainda que não compartilhem o mesmo estado de desenvolvimento. Ou seja, embora não possuam o mesmo nível de abstração no raciocínio e na linguagem, nem as mesmas expectativas ou representações sobre a morte, crianças e adultos relatam pontos em comum (Greyson, 2007). É necessário, no entanto, considerar as lacunas existentes no estudo sobre as singularidades e o conteúdo subjetivo das EQMs; a maior parte dos estudos busca analisar a universalidade, deixando de lado as diferenças no conteúdo.    
Até aqueles que não possuem convicções religiosas específicas, ao passar pela EQM visualizam imagens de seres de luz e tem experiências parecidas e/ou iguais aqueles que possuem crenças definidas, mostrando assim que as EQMs não se aplicam unicamente à pessoas religiosas (Champlin, 1982, como citado em Junior, 2010). Diante das informações apresentadas evidencia-se a necessidade de analisar a associação entre o presente tema e as interpretações religiosas. Pelo fato de existir uma grande quantidade de religiões diferentes, iremos nos ater a duas principais: a cristã e a espírita.

A visão cristã 


       A visão cristã, que tem como base os ensinamentos da Bíblia, tem pontos de convergência e divergência sobre as EQMs. É possível observar em diversas passagens bíblicas, principalmente no novo testamento, uma abordagem com mais detalhes sobre como é o outro lado da vida. No livro de apocalipse, a Bíblia mostra com maior riqueza a descrição do céu, onde há um rio cristalino, árvores com frutos e seres cantando músicas celestiais. A cidade também, mesmo não tendo lâmpadas é iluminada pelo Cordeiro (Ap 22:5). Pode-se observar uma correlação entre os relatos de pessoas que passaram pelas EQMs, com as descrições acima citadas. Champlin (1982, p.250-251 como citado em Junior, 2010; p.09) descreve o depoimento de uma mulher: “Havia uma luz dourada, por toda a parte (...) e também havia música. E eu parecia estar em um campo dotado de riachos, grama, árvores e montanhas”.
Com relação às descrições que as pessoas relatam das vivências, é curioso observar que mesmo sendo de culturas diferentes e diversas regiões do mundo, uma grande parte dos pacientes alegam ter visto em sua EQM, um túnel de luz que ao atravessar viam campos, e lugares, e objetos relacionados à paz e harmonia. Esses signos parecem ser universais e transculturais, é claro que alguns elementos relatados na experiência poderão ser singulares da história de vida de cada um dos sujeitos, partindo assim para o estudo da macrolinguística e das influências culturais.
Junior (2010) pontua: “outra semelhança interessante entre as EQMs e uma narrativa bíblica é sobre a inefabilidade da experiência vivida” (p.10). A maioria das pessoas que passam por esta experiência tem dificuldade de expressar o que viveram, sendo as palavras humanas insuficientes para descrever o que viram. Isto aconteceu também com o apóstolo Paulo, ao se dirigir aos cristãos da cidade de Corinto ele disse que: “foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar” (2 Co 12: 4). Este aspecto deve ser bem analisado na hora de correlacionar as EQMs e a psicologia da linguagem, pois muitas vezes a semântica existente é pouca para relatar uma experiência deste tipo. É necessário que haja uma tentativa de adaptação do que foi visto aos signos existentes dentro de uma cultura específica.
            Um ponto principal de divergência entre o contexto cristão e as EQMs consiste no fato de que a maioria das pessoas que passaram pela experiência de quase-morte dizem ter tido EQM positiva (experimentaram coisas boas durante o episódio) mesmo sem terem uma religião específica ou seguirem fielmente as doutrinas bíblicas antes do acontecimento. Conforme a Bíblia, aqueles que em vida não aceitaram a salvação de Cristo e não cumpriram com os seus mandamentos terão como consequência a condenação eterna no inferno. Com isto, é difícil para alguns líderes religiosos aceitarem o fato de que a maioria dos homens experimentam amor e misericórdia após a morte biológica, mesmo sem merecer (Junior, 2010).

A visão espírita


A interpretação espírita sobre as EQMs está relacionada em alguns aspectos com a religião cristã e em outros divergem completamente. O espiritismo acredita, assim como o cristianismo, em conseqüências para as nossas ações. Mas enquanto o cristianismo adota a concepção de céu ou inferno, o espiritismo adota a concepção de reencarnação. Para os espíritas, as pessoas podem evoluir ao longo de várias encarnações ou vidas na terra. O espiritismo enxerga o corpo como um meio de expressão das vivências espirituais, considera uma interdependência entre a mente e o corpo e acredita que as pessoas podem entrar em contato com a espiritualidade. Dentro desta visão é possível haver comunicação com pessoas já falecidas ou até recordações de vidas passadas, o que é coerente com alguns relatos de EQMs.
Além disso, para os religiosos, estas experiências são manifestações da espiritualidade humana e, por isso, não são apenas o resultado de uma alteração cerebral, como defendem alguns cientistas. Guy Lyon Playfair (n.d., como citado em Nahm, 2011) relatou um caso de uma paciente que havia se tornado incapaz de reconhecer os seus familiares. Antes de morrer, ela teve a experiência de ver e reconhecer seus irmãos, que já haviam falecido há bastante tempo. A visão foi tão real que ela pediu a enfermeira que a servisse três xícaras de chá. Algumas pessoas relatam estados de lucidez próximos da morte, independentemente de sua condição física e para alguns, isto pode indicar a existência de uma dimensão espiritual além do corpo.
Não pretendemos com este blog dizer qual religião está certa ou errada (longe disto), queremos sim, propor uma reflexão crítica sobre a importância de incluir, nos estudos sobre as EQMs, as interpretações religiosas. Para muitas religiões existentes o ser humano é dotado de espírito e/ou alma e a maioria acredita em uma vida após a morte e na figura de um ser transcendental, denominado por muitos como Deus, que muitas vezes vai além da compreensão humana e do empirismo cientifico. Mas, em vez de haver um duelo entre ciência X religião, acreditamos que possa existir uma maior interação entre os dois pólos, até pela importância de pensar e conceber o homem não apenas como um ser biopsicossocial, mas também como espiritual.


Bibliografias

Todos as referências utilizadas estão na página "Indicações de vídeos e leituras". 

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6 comentários:

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  2. Perfeitas as suas palavras. As EQM não são novas, além do relato do apóstolo Paulo há vários outros muito mais antigos que observamos o mesmo padrão. É claro que há detalhes diferentes entre elas o que até dá maior credibilidade: A consciência do EQM continua a mesma de quando estava no corpo e com certeza a personalidade de cada um, as experiências da dimensão física que são diferentes entre sim influenciam as observações. As vezes acho que as EQM influenciaram as religiões e não o contrário, haja visto que todas que conheço são iguais em sua essência: A luz e o amor.

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