segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O passado e o presente do estudo da EQM. Dificuldades e limitações.

Uma boa parte dos estudos sobre a EQM se propõe a encontrar as causas, a etiologia do fenômeno, mas ainda não há um consenso. As hipóteses explicativas propostas incluem variáveis relativas à aspectos biológicos, psicológicos e sociais; fatores lingüísticos também afetam os estudos. Existe ainda um embate entre “biológico x social”, mas todos nós temos uma herança cultural, abrangendo significados, normas e valores que orientam o nosso modo particular de ver o mundo e nós mesmos.
Por causa dessa influência cultural, as EQMs são investigadas através de estudos transculturais, além dos longitudinais Os estudos transculturais podem determinar quais são as características que permanecem invariáveis e quais são aquelas que são moduladas diante do contexto social. Já os estudos longitudinais são bons para inferências causais, pois permitem estabelecer uma sequência temporal de eventos, identificando o surgimento de cada variável associada. (Almeida e Lotufo Neto, 2003).
Há ainda estudos retrospectivos e prospectivos, os retrospectivos se baseiam nos relatos de pacientes que já vivenciaram uma EQM e os prospectivos acompanham pacientes que podem ou não vir a ter esta experiência. French (2001, como citado em Greyson, 2007) informa que a maioria dos estudos nesta área são retrospectivos e que isto é problemático na medida em que é difícil confiar na memória dos pacientes. Parnia e Fenwick (2001), por sua vez, relatam estudos prospectivos feitos com pacientes cardíacos que vivenciaram EQMs ao sofrer paradas cardíacas. E quanto ao uso de instrumentos de avaliação, o The Near-Death Experience Scale (NDE) é o principal, mas pesquisas serão necessárias para adaptá-lo ao português do Brasil (Serralta; Cony; Cembranel; Greyson; Szobt, 2010).
As investigações nesta área precisam associar diferentes métodos de pesquisa e diferentes saberes. Caso queira saber mais sobre as hipóteses, as dificuldades e as limitações das pesquisas nesta área, leia o texto “aprofundando”. E se quiser conhecer um estudo brasileiro, veja o vídeo do Globo repórter no qual aparece uma iniciativa da UFJF:



Aprofundando


Apesar do caráter biopsicosocial deste fenômeno, as hipóteses formuladas podem enfatizar mais uma dimensão do que as outras. French (2005; Greyson, 2000, como citado em Serralta; Cony; Cembranel; Greyson; Szobt, 2010) informa que teorias biológicas “acentuam a relação da EQM com hipoxia cerebral, anoxia, hipercarbia, funcionamento de neurotransmissores e atividades anormais nos lobos temporais” (p.36); as teorias psicológicas, por sua vez, “salientam que EQMs parecem constituir a expressão da dissociação como mecanismo de defesa diante de situações de perigo extremo” (p.36).
Algumas pesquisas revelaram a importância de fatores psicológicos. As EQMs são descritas como experiências que acontecem em situações de risco à vida, no entanto, estudos demonstraram que estas podem ocorrer em contextos nos quais o risco não é clinicamente real (Serralta; Cony; Cembranel; Greyson; Szobt (2010). O risco pode existir apenas na percepção subjetiva do paciente, o que gera a hipótese de que um dos fatores desencadeantes das experiências de quase-morte pode ser a crença que o paciente tem de que está efetivamente morrendo, o que seria uma variável complexa na compreensão da EQM.
Também é importante considerar os fatores lingüísticos. O repertório oferecido pelo vocabulário ocidental, pela linguagem cotidiana, revela-se insuficiente e inadequado para a descrição de vivências espirituais. Quem nunca chegou a afirmar que não tinha palavras para expressar algo? Imagine então esta sensação diante de uma experiência de quase-morte. Stevenson (1983, como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003) argumenta que algumas palavras como “alucinação”, por exemplo, são muito inapropriadas para descrever estas experiências, principalmente quando usados por aqueles que não as vivenciaram; inibem o paciente.
Por estas razões, a avaliação semântica fornecida por um instrumento em diferentes culturas deve receber uma atenção especial, pois esta “envolve questões culturais e de linguagem que podem comprometer a validade conceitual e as propriedades psicométricas do instrumento” (Hauck e cols, 2006, como citado em Serralta; Cony; Cembranel; Greyson; Szobt, 2010, p.38). Desse modo, ao traduzir os relatos para outra língua é necessário se basear “nos conceitos envolvidos, e não nas palavras” (Alarcón, 1995, como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003, p.25).
Percebe-se que o tema é complexo e há dificuldades para estabelecer um consenso sobre a causa das EQMs. Critica-se, por exemplo, algumas incoerências ou falta de plausibilidade nas teorias biológicas, mas ao julgar algo como biologicamente plausível estamos nos baseando nos conhecimentos existentes e é preciso reconhecer que algumas idéias propostas podem parecer estranhas porque são novas para a ciência (Hill, 1965, como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003). Além disso, o ato de determinar uma causa “é sempre um julgamento feito pelo pesquisador à luz das evidências disponíveis” (Almeida e Lotufo Neto, 2003, p.26).
Como há uma influência social, temos a tendência de padronizar o “bom” ou “normal”, como aquilo que é padrão em nossa cultura, e como “ruim” ou “patológico” os fenômenos, costumes e visões de outras culturas. O mesmo acontece com relação aos diferentes tipos de consciência e os EAC, como a EQM. É o que mostram Almeida e Lotufo Neto (2003), ao afirmar que é comum “considerar um EAC como ‘bom’ ou ‘ruim’ avaliando-o apenas segundo os critérios mais desenvolvidos em nosso estado habitual de consciência (raciocínio lógico, habilidades matemáticas...)”(p.24). Há o julgamento de que o nosso estado ordinário de consciência é algo natural e o único modo de lidar corretamente com a realidade, porém nossas percepções são variadas e, apesar de terem base na realidade física, dependem dos recursos da nossa aparelhagem biológica e são moldados pelo ambiente cultural onde nos desenvolvemos.
      O pesquisador frente a esse tema, precisa se permitir ver que não há uma verdade absoluta, tendo uma abertura diante de outras perspectivas. A ciência não deve ignorar ou desqualificar a literatura produzida pelas próprias comunidades ou indivíduos que vivenciam os fenômenos em estudo, pois esta literatura pode enriquecer as investigações. Felizmente, a ciência já está mudando a sua postura diante do diferente e já há um reconhecimento, mesmo pelo DSM-IV, de que nem todas as experiências místicas são evidências de psicopatologia (Cardeña et al., 1994, como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003). Esperamos que o diálogo entre os diferentes saberes aumente e contribua para a investigação deste tema tão complexo. 


Bibliografias 

Todos as referências utilizadas estão na página "Indicações de vídeos e leituras". E se quiser conhecer mais sobre os estudos brasileiros  na área das experiências espirituais, visite o link e se informe sobre a iniciativa da UFJF. 
http://www.ufjf.br/nupes/linhas-de-pesquisa/experiencias-religiosas-e-espirituais/. 


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