Uma boa parte dos estudos sobre a EQM se
propõe a encontrar as causas, a etiologia do fenômeno, mas ainda não há um consenso.
As hipóteses explicativas propostas incluem variáveis relativas à aspectos biológicos,
psicológicos e sociais; fatores lingüísticos também afetam os estudos. Existe ainda
um embate entre “biológico x social”, mas todos nós temos uma herança cultural,
abrangendo significados, normas e valores que orientam o nosso modo particular
de ver o mundo e nós mesmos.
Por causa dessa influência cultural, as
EQMs são investigadas através de estudos transculturais, além dos longitudinais
Os estudos transculturais podem determinar quais são as características que
permanecem invariáveis e quais são aquelas que são moduladas diante do contexto
social. Já os estudos longitudinais são bons para inferências causais, pois
permitem estabelecer uma sequência temporal de eventos, identificando o
surgimento de cada variável associada. (Almeida e Lotufo Neto, 2003).
Há ainda estudos retrospectivos e
prospectivos, os retrospectivos se baseiam nos relatos de pacientes que já
vivenciaram uma EQM e os prospectivos acompanham pacientes que podem ou não vir
a ter esta experiência. French (2001, como citado em Greyson, 2007) informa que
a maioria dos estudos nesta área são retrospectivos e que isto é problemático
na medida em que é difícil confiar na memória dos pacientes. Parnia e Fenwick
(2001), por sua vez, relatam estudos prospectivos feitos com pacientes
cardíacos que vivenciaram EQMs ao sofrer paradas cardíacas. E quanto ao uso de
instrumentos de avaliação, o The Near-Death Experience Scale (NDE) é o
principal, mas pesquisas serão necessárias para adaptá-lo ao português do
Brasil (Serralta; Cony; Cembranel;
Greyson; Szobt, 2010).
As investigações nesta área precisam
associar diferentes métodos de pesquisa e diferentes saberes. Caso queira saber
mais sobre as hipóteses, as dificuldades e as limitações das pesquisas nesta
área, leia o texto “aprofundando”. E se quiser conhecer um estudo brasileiro,
veja o vídeo do Globo repórter no qual aparece uma iniciativa da UFJF:
Aprofundando
Apesar do caráter biopsicosocial deste
fenômeno, as hipóteses formuladas podem enfatizar mais uma dimensão do que as
outras. French (2005; Greyson, 2000, como citado em Serralta; Cony; Cembranel; Greyson; Szobt, 2010) informa que
teorias biológicas “acentuam a relação da EQM com hipoxia cerebral, anoxia,
hipercarbia, funcionamento de neurotransmissores e atividades anormais nos
lobos temporais” (p.36); as teorias psicológicas, por sua vez, “salientam que
EQMs parecem constituir a expressão da dissociação como mecanismo de defesa
diante de situações de perigo extremo” (p.36).
Algumas pesquisas revelaram a importância
de fatores psicológicos. As EQMs são descritas como experiências que acontecem
em situações de risco à vida, no entanto, estudos demonstraram que estas podem
ocorrer em contextos nos quais o risco não é clinicamente real (Serralta; Cony; Cembranel; Greyson; Szobt (2010).
O risco pode existir apenas na percepção subjetiva do paciente, o que gera a
hipótese de que um dos fatores desencadeantes das experiências de quase-morte
pode ser a crença que o paciente tem de que está efetivamente morrendo, o que
seria uma variável complexa na compreensão da EQM.
Também é importante considerar os fatores
lingüísticos. O repertório oferecido pelo vocabulário ocidental, pela linguagem
cotidiana, revela-se insuficiente e inadequado para a descrição de vivências
espirituais. Quem nunca chegou a afirmar que não tinha palavras para expressar
algo? Imagine então esta sensação diante de uma experiência de quase-morte. Stevenson
(1983, como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003) argumenta que algumas
palavras como “alucinação”, por exemplo, são muito inapropriadas para descrever
estas experiências, principalmente quando usados por aqueles que não as
vivenciaram; inibem o paciente.
Por estas razões, a avaliação semântica
fornecida por um instrumento em diferentes culturas deve receber uma atenção
especial, pois esta “envolve questões culturais e de linguagem que podem
comprometer a validade conceitual e as propriedades psicométricas do
instrumento” (Hauck e cols, 2006, como citado em Serralta; Cony; Cembranel; Greyson; Szobt, 2010, p.38). Desse
modo, ao traduzir os relatos para outra língua é necessário se basear “nos conceitos
envolvidos, e não nas palavras” (Alarcón, 1995, como citado em Almeida e Lotufo
Neto, 2003, p.25).
Percebe-se que o tema é complexo e há
dificuldades para estabelecer um consenso sobre a causa das EQMs. Critica-se,
por exemplo, algumas incoerências ou falta de plausibilidade nas teorias
biológicas, mas ao julgar algo como biologicamente plausível estamos nos
baseando nos conhecimentos existentes e é preciso reconhecer que algumas idéias
propostas podem parecer estranhas porque são novas para a ciência (Hill, 1965,
como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003). Além disso, o ato de determinar
uma causa “é sempre um julgamento feito pelo pesquisador à luz das evidências
disponíveis” (Almeida e Lotufo Neto, 2003, p.26).
Como há uma influência social, temos a
tendência de padronizar o “bom” ou “normal”, como aquilo que é padrão em nossa
cultura, e como “ruim” ou “patológico” os fenômenos, costumes e visões de
outras culturas. O mesmo acontece com relação aos diferentes tipos de
consciência e os EAC, como a EQM. É o que mostram Almeida e Lotufo Neto (2003),
ao afirmar que é comum “considerar um EAC como ‘bom’ ou ‘ruim’ avaliando-o
apenas segundo os critérios mais desenvolvidos em nosso estado habitual de
consciência (raciocínio lógico, habilidades matemáticas...)”(p.24). Há o
julgamento de que o nosso estado ordinário de consciência é algo natural e o
único modo de lidar corretamente com a realidade, porém nossas percepções são
variadas e, apesar de terem base na realidade física, dependem dos recursos da
nossa aparelhagem biológica e são moldados pelo ambiente cultural onde nos
desenvolvemos.
O pesquisador frente a esse tema, precisa se permitir ver que não há uma verdade absoluta, tendo uma abertura diante de outras perspectivas. A ciência não deve ignorar ou desqualificar a literatura produzida pelas próprias comunidades ou indivíduos que vivenciam os fenômenos em estudo, pois esta literatura pode enriquecer as investigações. Felizmente, a ciência já está mudando a sua postura diante do diferente e já há um reconhecimento, mesmo pelo DSM-IV, de que nem todas as experiências místicas são evidências de psicopatologia (Cardeña et al., 1994, como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003). Esperamos que o diálogo entre os diferentes saberes aumente e contribua para a investigação deste tema tão complexo.
O pesquisador frente a esse tema, precisa se permitir ver que não há uma verdade absoluta, tendo uma abertura diante de outras perspectivas. A ciência não deve ignorar ou desqualificar a literatura produzida pelas próprias comunidades ou indivíduos que vivenciam os fenômenos em estudo, pois esta literatura pode enriquecer as investigações. Felizmente, a ciência já está mudando a sua postura diante do diferente e já há um reconhecimento, mesmo pelo DSM-IV, de que nem todas as experiências místicas são evidências de psicopatologia (Cardeña et al., 1994, como citado em Almeida e Lotufo Neto, 2003). Esperamos que o diálogo entre os diferentes saberes aumente e contribua para a investigação deste tema tão complexo.
Bibliografias
Todos as referências utilizadas estão na página "Indicações de vídeos e leituras". E se quiser conhecer mais sobre os estudos brasileiros na área das experiências espirituais, visite o link e se informe sobre a iniciativa da UFJF.
http://www.ufjf.br/nupes/linhas-de-pesquisa/experiencias-religiosas-e-espirituais/.
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